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Novo Decreto Sobre Garantias Trabalhistas em Contratos Administrativos Abre Caminho para a Redução da Jornada de Trabalho





No dia 11 de setembro de 2024, foi sancionado o Decreto nº 12.174, que estabelece garantias trabalhistas na execução dos contratos administrativos federais. A medida abre caminho para a implantação da redução da jornada de trabalho sem redução salarial (num primeiro momento nos contratos públicos).

Embora trate também de garantias essenciais para a proteção dos direitos trabalhistas no âmbito dos contratos administrativos (normas de saúde e segurança no trabalho, a erradicação do trabalho infantil e análogo ao escravo, bem como a prevenção de discriminação, violência e assédio no ambiente laboral e responsabilidade solidária da empresa contratada em casos de violações cometidas por empresas subcontratadas), um ponto que merece atenção é a previsão da redução da jornada semanal de trabalho de 44 horas para 40 horas, sem prejuízo da remuneração, nos contratos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

Essa medida, ainda que limitada inicialmente ao setor público federal, é inegavelmente um primeiro passo normativo para uma política mais ampla de redução da jornada sem redução salarial, acompanhando uma tendência mundial que vem ganhando força em diversos países, conforme informamos em artigo anterior.

A redução da jornada sem diminuição de salários tem sido um tema de discussões globais, especialmente em países europeus, onde a chamada "semana reduzida" vem sendo implementada em diversos setores. Embora a proposta visível seja a de melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, aumentar a produtividade e equilibrar o tempo dedicado ao trabalho com as necessidades pessoais e familiares, o fundamento é a sempre a sustentabilidade (ESG).

Ao incluir essa possibilidade num decreto federal, o governo sinaliza que o Brasil pode seguir a "tendência", especialmente se houver uma adesão gradual por outros entes federativos, que poderão adotar normas semelhantes com base no princípio da simetria legislativa; por isso é provável que Estados e Municípios passem a adotar normas semelhantes, criando legislações próprias. E por tratar-se de garantiria trabalhista, de caráter fundamental, isso será usado como fundamento para o tratamento igualitário (igual trabalho/categoria, igual tratamento) para se evitar a discriminação, ainda que prevista em decreto (norma infralegal). A lógica jurídica não estaria errada, porém, como no artigo anterior (veja aqui), o buraco é sempre mais embaixo.

Como um direito humano fundamental previsto em tratados internacionais, está relacionado à dignidade, condições justas e favoráveis de trabalho, e à proteção contra a exploração, discriminação e insegurança no ambiente de trabalho.

Garantidos na Constituição Federal de 1988, particularmente nos artigos 6º ao 11, se estabelecem direitos fundamentais aos trabalhadores, sua proteção vai além do ordenamento jurídico interno, aplicando-se os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil como tratados e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Fato é que essas convenções da OIT, se forem submetidas ao procedimento do art. 5º, § 3º, da CF, seriam normas materialmente constitucionais, porém, as convenções ratificadas pelo Brasil antes da Emenda Constitucional 45, de 2004, têm hierarquia supralegal (acima das leis e logo abaixo da Constituição). Lembrando que o Brasil é membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde 1919 e ratificou diversas convenções importantes da OIT, quais as de direito de negociação coletiva, contra a discriminação em matéria de emprego e ocupação, proibição de trabalho infantil etc. E muito embora o Brasil não tenha ratificado especificamente a Convenção OIT n. 47 (Forty-Hour Week Convention, de 1935), a previsão da redução da jornada de trabalho sem redução salarial, abordada no Decreto nº 12.174/2024, reflete a "tendência" mundial e, embora no âmbito da administração (por enquanto), estabelece mais uma proteção e melhoria das condições de trabalho que, pela lógica jurídica, não vai ficar aí.

O princípio da evolução progressiva, lembramos, é um dos pilares fundamentais do direito do trabalho e reflete a ideia de que o sistema de proteção ao trabalhador deve sempre avançar, criando condições melhores e mais justas, por exemplo, criando normas infraconstitucionais que ampliam direitos já garantidos, ou mesmo inovem ao oferecer novas garantias e proteções, como o recente Decreto.

Um exemplo seria a discriminação do trabalhador, é uma violação direta dos direitos humanos e dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. A Convenção nº 111 da OIT estabelece que os Estados devem adotar medidas para eliminar a discriminação em todas as suas formas, garantindo a igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego e ocupação. Compromisso que afeta diretamente o ordenamento jurídico brasileiro, obrigando que normas infraconstitucionais de direito do trabalho incorporem esse princípio. O descumprimento dessas normas pode ser interpretado como uma violação dos direitos fundamentais do trabalhador, sujeitando o Estado a sanções tanto no âmbito interno quanto no internacional.

Quando as normas infraconstitucionais e até infralegais, como o Decreto nº 12.174/2024, buscam ampliar a proteção aos trabalhadores, elas também passam a fazer parte do rol de direitos fundamentais, ainda que infralegal, ela se aplica, pois, pela lógica, ela está regulando ao nível infralegal uma norma superior (CF ou Tratados), e o argumento de que ela se aplicaria apenas nos casos que prevê (limites de abrangência da norma), a interpretação pode ser mais abrangente e abre a possibilidade de buscar-se, sob pena de criar uma desigualdade, garantias que seja aplicada a todos, para a promoção da dignidade humana no ambiente de trabalho.

E pela lógica da igualdade, não discriminação, garantia progressiva de melhoria, e aplicação imediata de direitos considerados como de natureza fundamental, está-se diante de um direito que poderá ser aplicado por extensão às categorias abrangidas ainda que não sejam em contratos com o poder público federal. Assim, a aplicação extensiva da norma (que é possível) poderá ocorrer como um princípio ético e humanitário para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa, conforme aderência do Brasil e suas instituições judiciárias às ODS 2030 da ONU.

E mesmo que não seja aplicada por ser considerada uma norma meramente regulatória e de aplicação restrita, o passo político, que é muito mais importante, está dado, dando mais um empurrão nos projetos de lei em tramitação sobre o tema.

Como dissemos no artigo anterior, não é uma mera tendência, mas parte de um plano.


*Elvis Rossi da Silva. Cristão, pai de família, advogado. Autor de artigos jurídicos, escritor e jornalista independente.

Livros do autor: Circo Do Mundo  , Fábulas para Hoje  , Pensamentos ao Filho  , Contos Para a Infância , Plúrimas  , Aos Amigos que Não Tenho

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