PAVIMENTANDO O CAMINHO PARA A PERSEGUIÇÃO E A SERVIDÃO
Hoje teremos, por força
maior, de interromper a sequência de artigos sobre direito médico: “MEDICINA,
SAÚDE, ESTADO E LIBERDADE”. Eis o porquê.
No caminho para o trabalho
deparei-me acidentalmente com algo que deveria chocar as pessoas (no mínimo!).
Ontem havia retirado o
pen-drive do rádio para carregar o celular. Hoje, por mera distração, não o recoloquei,
de modo que, enquanto dirigia, tocava uma música da rádio que sequer chamou-me
a atenção. Ao final escuto a chamada da estação incentivando as pessoas a
DENUNCIAREM “festas clandestinas”, incriminando o denunciado como
alguém que não se preocupa com a saúde do mundo, dando o telefone de um órgão
público (da prefeitura – tinha de ser!) para acabar com a brincadeira ‘’ilegal’’ (já que não pode dar o da polícia por não se tratar de crime real e de ser
a denúncia caluniosa um crime – nada bobos, não é? O que não retira o caráter
da conduta denunciadora ser um constrangimento
ilegal praticado pelo Prefeito e pelo denunciante, podendo também haver a responsabilização
da emissora de rádio). Mas sigamos.
O que choca (ou deveria
chocar a todos) é o ar de normalidade da
coisa, que de normal nada tem. Para quem gosta de história basta lembrar
dos regimes totalitários (nazismo, comunismo, fascismo - todos de esquerda), com
sua política de denuncismo.
Poderíamos falar do Dr. Joost Merloo sobre lavagem cerebral
feita pelos regimes totalitários, mas recomendo ao leitor que procure outros
artigos aqui
no site sobre ele. Vamos falar hoje do Dr.
Robert Jay Lifton (Thought Reform and the Psychology of
Totalism: A Study of Brainwashing in China). O denuncismo tem um
aspecto especial nas ditaduras. Não apenas serve para impor o medo aos
possíveis denunciados (que no fim serão todas as pessoas), como acaba por
subverter a própria alma do denunciante transformando-o num escravo do ditador.
Dr. Lifton nos ensina:
“A
série de denúncias de amigos e colegas que o Dr. Vincent e o Padre Luca foram
obrigados a fazer teve um significado especial. Fazer essas acusações não
apenas aumentou seus sentimentos de culpa e vergonha, mas também os colocou na
posição de subverter as estruturas de suas próprias vidas. Eles estavam, com
efeito, sendo levados a renunciar às pessoas, às organizações e aos padrões de
comportamento que haviam formado a matriz de sua existência anterior.
Eles
estavam sendo forçados a trair - não tanto seus amigos e colegas, mas um núcleo
vital de si mesmos. Essa autotraição foi estendida por meio das pressões para
"aceitar ajuda" e, por sua vez, "ajudar" os outros. Dentro
da moralidade bizarra do ambiente da prisão, o prisioneiro se encontra - quase
sem perceber - violando muitas de suas éticas pessoais mais sagradas e padrões
de comportamento. O grau de violação é ampliado, bem no início do jogo, por
meio do mecanismo de traição compartilhada, como descreveu outro padre:
‘O
chefe da célula continuou perguntando sobre as atividades da Igreja. Ele queria
que eu denunciasse outras pessoas e eu não queria fazer isso. . . Um padre
chinês foi transferido para a cela e me disse: "Você não pode evitar. Você
deve fazer algumas denúncias. As coisas que os comunistas sabem sobre qualquer
uma de suas atividades na Igreja, você deve revelar." . . . Muito mais
tarde, fui colocado em outra cela para levar um padre francês à confissão. Ele
era teimoso e passara alguns meses na solitária. Ele estava com muito medo e
parecia um animal selvagem. . . Cuidei dele, lavei a roupa dele, ajudei-o a
descansar. Eu o aconselhei a confessar o que eles pudessem saber.’
Embora
haja uma tensão contínua entre segurar e deixar ir, certo grau de autotraição é
rapidamente visto como uma forma de sobrevivência. Mas
quanto mais alguém é levado a trair, maior é o envolvimento com seus captores;
pois por esses meios eles fazem contato com quaisquer tendências semelhantes já
existentes dentro do próprio prisioneiro - com as dúvidas, antagonismos e
ambivalências que cada um de nós carrega sob a superfície de sua lealdade. Esse
vínculo de traição entre o prisioneiro e o ambiente pode desenvolver-se a ponto
de parecer a ele tudo o que ele tem para agarrar; voltar se torna cada vez mais
difícil.”
Quero chegar num ponto e
vamos direto a ele. Algumas coisas não são percebidas por muitos até que seja
tarde demais. Certas condutas/políticas são incentivadas para que as próximas
(sempre piores – e sempre foi assim nos regimes totalitários), sejam implementadas.
Veja que no Nazismo, por exemplo, primeiro começou a remover pessoas das casas,
depois o denuncismo, depois o desarmamento, depois os campos de
concentração, depois as experiências científicas e o genocídio. Assim as
coisas vão sendo implementadas e vai-se aceitando tudo com o tempo a ponto de
uma pessoa comum (não um demônio) fazer ou aceitar coisas demoníacas.
Dr. Lifton mostra em outro estudo (Nazi Doctors: Medical
Killings and the Psychology of Genocide), que a enganação e o apoio de
certos seguimentos da sociedade foi fator decisivo para que o nazismo
conseguisse realizar o holocausto.
Lifton descobriu que a “campanha maciça de assassinatos, que durou
sete anos e erradicou 18 milhões de pessoas, incluindo seis milhões de judeus,
foi dirigida, do início até o fim, por médicos alemães.” (pág. 4).
Hitler nunca teria conseguido matar tanto quanto matou sem essa
ajuda de médicos e enfermeiros no Holocausto. Após entrevistar muitos médicos e
enfermeiros, Lifton descobriu que “eles não eram demoníacos" (pág. 5), mas
que "... pessoas comuns podem cometer atos demoníacos." (pág. 5). "Repetidamente, neste estudo, descrevo
homens banais realizando atos demoníacos... Meu objetivo neste estudo é
descobrir as condições psicológicas que contribuem para o mal." (pág. 12).
Lifton
descobriu que a causa mãe dessa abominação que foi o holocausto fora a eutanásia
humana, tão propagandeada na Alemanha desde o fim do século XIX (pág. 46), inclusive
pela exibição de filmes melodramáticos sobre o tema.
Lá, à época, alguns autores levaram a questão da ética médica ao
extremo, de modo que a "assistência à morte" e a "morte do
participante que dava seu consentimento"... fora inserida na cultura da
época como uma espécie de responsabilidade médica.
[Lembre-se que o denuncismo também fora inserido como uma espécie de
responsabilidade do cidadão patriota].
Claro que tudo sempre acaba se mostrando com ares de legalidade e por meio de um processo justo. Assim também a eutanásia na época, onde
defendiam um processo “jurídico”, “meticuloso”, com procedimento para matar composto
por uma junta de três pessoas (um clínico geral, um psiquiatra e um advogado). Havia
uma ênfase na proteção jurídica dos médicos envolvidos no processo da
morte, de modo que era compatível com a ética médica (pág. 47).
No fim esse dever, compaixão e ética todos, embora em princípio
não fosse a tese dominante entre os médicos alemães, quando Hitler assumiu, a
coisa descambou no Holocausto, o genocídio eticamente feito num Estado que
tinha uma constituição e um tribunal constitucional funcionando normalmente e,
pasmem, até pessoas normais vivendo por lá.
A questão é que com o tempo e os métodos certos, os regimes
totalitários vão implantando seus terríveis planos de manipulação e
domínio da sociedade, a ponto de coisas demoníacas passarem a ser normais.
E se você nos acompanha, sabe bem que a propaganda, os meios de
comunicação são fundamentais para implementar políticas destruidoras na
sociedade, fazendo com que as pessoas se tornem ferramentas nas mãos
dos ditadores.
Não importa a crença em vigor na sociedade (veja a obra de Joost
Merloo que citamos em outro artigo), ela vai sendo mudada com o tempo pela
manipulação sem que as pessoas percebam.
Veja que a denunciação é
muito importante para o ditador porque responsabiliza a pessoa pelo fim daquilo que
está lhe causando o pânico ou medo (no caso a pandemia, já que, ao que
parece, distanciamento, máscaras, álcool, fechamento de tudo e vacinas não
resolveram), assim o ditador faz a pessoa participar de algo que, embora
num primeiro momento seja considerado repugnante, acaba lhe dando um status de bom, humano, e até mesmo
caridoso para com a “vida”, e leva a
pessoa a encaixar essa nova atitude ou pensamento em sua estrutura moral, o
que a faz buscar justificativas para tal ato odioso (é a famosa dissonância cognitiva que se instala).
Voilà! e Bon Appétit! Temos então uma sociedade que aceitou os
termos da tirania que está sendo implantada como algo bom e necessário para o
bem de todos, ainda que esse bem seja destruir o mundo para salva-lo.
Fico por aqui.
*Elvis Rossi da Silva é advogado e escritor.
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