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MEDICINA, SAÚDE, ESTADO E LIBERDADE – II

 MEDICINA, SAÚDE, ESTADO E LIBERDADE – II

 

 

 

INTIMIDADE GENÉTICA

 

“Um dos grandes desafios do futuro será a capacidade de se conhecer, através da chamada medicina preditiva, certas informações advindas da sequência do genoma, onde a capacidade de prevenir, tratar e curar doenças poderá se transformar numa oportunidade de discriminar pessoas portadoras de certas debilidades... estas medidas preditivas podem ser no sentido de excluir ou selecionar qualidades por meio de dados históricos ou familiares, como nos interesses de companhias de seguro, e isto pode ter um impacto negativo na vida e nos interesses das pessoas.”

 

“O mais grave nisto tudo é que as enfermidades ditas poligenéticas ou multifatoriais podem ou não se desenvolver, ficando o indivíduo discriminado apenas pela ameaça de risco que ele corre de contraí-las”.

 

“Some-se a isso a possibilidade de conhecimento preditivo de doenças graves e sem tratamento criar no indivíduo condições para as perturbações de ordem psíquica ou fazer com que ele tome medidas radicais como, por exemplo, a de não ter filhos, desagregar a família e sofrer prejuízos econômicos. ”

 

SAÚDE E LIBERDADE

 

“Tão íntima é esta relação entre saúde e liberdade que não se pode admitir qualquer proposta em favor de melhoria das condições de vida e de saúde das pessoas sem se respeitar a autonomia delas, mesmo quando elas não estão dispostas a se submeterem a certas condutas que venham a considerar como de risco, a exemplo de práticas invasivas da nova tecnologia médica. ”

 

Por isso, o certo é encontrar um caminho onde se procure minimizar o sofrimento e o dano por meios assistenciais à saúde sem o risco dos limites da liberdade individual capaz de ameaçar nosso sentido crítico através de um paternalismo secular de proteção.”

 

“Assim, não se pode esquecer os direitos dos médicos... [estes] direitos lhe são conferidos sem nenhuma predisposição corporativista, mas dentro de um projeto de condições necessárias para que ele possa exercer  a medicina, na legalidade e na licitude que se fazem imprescindíveis nas suas atividades profissionais.

Daí a liberdade de o médico indicar procedimento que achar mais adequado dentro das normas reconhecidas e aceitas pela comunidade científica, a liberdade para apontar falhas nos regulamentos e normas das instituições em que trabalhe, a liberdade de se recusar a exercer sua profissão em instituições públicas ou provadas que não disponham das condições mínimas de trabalho e que possam trazer danos aos pacientes, a liberdade de internar seu paciente em hospitais onde não pertença ao seu corpo clínico e o direito de realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.”

 

VIOLAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

 

“Mesmo que o Sistema Único de Saúde seja considerado o mais amplo e participativo plano de atendimento em saúde que se conhece, indistintamente oferecido para todos os brasileiros, não se pode omitir suas falhas... e isso se nota pela precariedade da rede hospitalar a sua disposição, o desrespeito à forma de atendimento, a superlotação dos serviços nos ambulatórios e setores de urgência... Sendo assim, isso não poderia deixar de redundar numa lamentável forma de violência contra a população, principalmente aquela que não pode se socorrer de outro tipo assistencial.”

 

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, aprovada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em 19 de outubro de 2005, aprovada por significativos países componentes da ONU, ratificou tal autonomia em seu artigo 5.º nos seguintes termos: “Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia”. E no artigo 6.º:  “Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo, baseado em informação adequada”.

 

“Por outro lado, tornou-se cláusula consagrada no mundo civilizado o direito de informação devido ao paciente e à coletividade – corolário da cidadania plena, considerando que o direito de acesso à informação também é um direito humano fundamental e dever dos Estados, no que diz respeito à promoção de informações adequadas sobre prevenção, controle e tratamento das doenças. Isto não se resume apenas ao diálogo médico-paciente nos consultórios, mas também ao uso dos meios de comunicação como forma de orientar a população em caso de endemias, epidemias ou pandemias. Isto está consagrado no artigo 220 da Constituição Federal: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1.º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observando o disposto no artigo 5.º, IV, V, X, XIII e XI”.

 

TRATAMENTOS E CONDUTAS ARBITRÁRIOS

 

“A consciência atual, quando sente ameaçada a mais indeclinável de suas normas – o respeito pela vida humana, dadas as condições mais excepcionais e precárias -, tenta de forma desesperada regras que impeçam a prática de crueldades... Até mesmo nos momentos mais graves, quando tudo parece perdido, como nos conflitos internacionais, na hora em que o direito da força se instala, negando o próprio direito, ainda assim o bem da vida é de tal grandeza que a intuição humana se rende para protege-la da insânia coletiva.”

 

“É imperativo que o médico entenda que, nos casos de não emergência, deve ele ter o consentimento expresso ou tácito do seu paciente ou familiares... Assim, para o tratamento compulsório é preciso não apenas a existência de perigo de vida, mas também que essa intervenção seja urgente, necessária e inadiável, numa iminência de morte, para justificar tal conduta. ”

 

ASPECTOS ÉTICO-LEGAIS

 

“O Estado tem o máximo interesse em proteger a liberdade individual como um dos maiores bens que o homem é possuidor. Tal defesa fundamenta-se na faculdade de estimular o ser humano, a fim de afirmar sua personalidade e realizar-se na vida. ”

 

“Qualquer lesão ou exposição a perigo da manifestação da liberdade constitui delito. Depois da vida e da saúde, o mais importante bem é a liberdade. ”

 

“Uma enfermidade sem perigo ou um risco de vida remoto não justificam tal intervenção. ”

 

“Tratamento arbitrário, stricto sensu, seria realizar uma experiência científica num homem contra sua vontade, no tratamento de uma enfermidade para a qual o tratamento convencional o curaria. ”

 

 

Extraído de: Geneval Veloso de França: Direito Médico, 12.ª edição. Forense, 2014.

 

 

[Os negritos são nossos].

  

 

Continua no próximo artigo.

 

 

*Elvis Rossi da Silva é advogado e escritor.

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