Um domingo na capital nacional é como um passeio no deserto. Especialmente no fatídico dia 8 de Janeiro, aquele domingo estava ainda mais deserto do que se costuma ver. A cabeleireira, junto a alguns populares (não um exército armado e treinado), mãe de filhos pequenos, fez o impensável, decidiu reclamar da política, e foi às ruas. Não havia armas, nem foices, nem arcos e flechas. Somente uma “revolta” miúda, como a voz do povo brasileiro sempre foi para os políticos e autoridades. Ela não era militante treinada por forças internacionais. Não tinha filiação partidária. Não tinha subvenção do Estado. Só uma mulher. Passando pelos palácios da Justiça, saca um batom da bolsa. E, na cultura do grafite, num gesto simbólico de resistência e impotência, escreve numa estátua.
Essa foi a sua
ruína.
Presa junto aos
demais, sem o reconhecimento dos mais básicos diretos deferidos a criminosos de
peso, fora tratada como uma terrorista, uma pária.
Sob um inquérito instaurado
por um órgão incompetente, interessado, suspeito e contra as mais básicas das leis
penais e processuais, começou a ter a vida cancelada. Era apenas o início do pesadelo.
Advogados impedidos
de acessar ou conhecer o processo completo, sem prazos definidos, sem acusações
claras, sem leis específicas, sem garantias. Subversiva, uma ameaça ao Estado, à
Ordem, às Instituições, à Segurança. Só faltou ser acusada de uma ameaça à
saúde mundial.
Ao escrever no
monumento de pedra, dizem que atentou contra os fundamentos da democracia. Parece
que para alguns juízes um batom é mais vermelho que o sangue de milhares derramado
pelas revoluções que eles se dizem aderentes ideológica e politicamente.
Provavelmente, quando for cumprir os 14 anos de cadeia, na prisão de
segurança máxima, onde entram celulares, drogas e armas, de onde criminosos alta
periculosidade misteriosamente fogem, nenhum batom será tolerado, nem mesmo
quando lhe permitirem alguns minutos ao sol.
A deformação do
caráter da nossa nação chegou ao Monte Olimpo. Quando a cor do batom passa a
ser julgada com maior gravidade que o sangue, e a palavra, considerada mais
perigosa que uma agressão armada, quando manicures são presas e assassinos
soltos, é sinal de que a cegueira e as balanças já não distinguem o bem do
mal.
Está na
hora de a Nação arrepender-se de seus pecados, e rezarmos para que “haja luz” em
nossas vidas.
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- Constituição Federal, art. 5º,
inciso IV: "é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato." A
liberdade de expressão, que é cláusula pétrea (art. 60, §4º, IV da CF/88).
- Constituição Federal, art. 5º,
inciso VIII: “ninguém
será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política...;”
- Constituição Federal, art. 5º,
inciso IX: "é
livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença."
- Constituição Federal, art. 5º,
inciso XLI: “a lei
punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;”
- Princípio da Legalidade Penal –
CF, art. 5º, inciso XXXIX / CP, art. 1º: "não
há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal."
- Código Penal, art. 286 – Incitação
ao crime: "Incitar,
publicamente, a prática de crime." Pena: detenção, de 3 a 6
meses, ou multa.
- Lei nº 14.197/2021 – Nova Lei de
Defesa do Estado Democrático de Direito (substituiu a antiga Lei de Segurança
Nacional): O art. 359-L
criminaliza a tentativa de abolir o Estado democrático de direito com uso
de violência ou grave ameaça.
- Princípio da Proporcionalidade e
da Razoabilidade – interpretação constitucional derivada dos direitos
fundamentais (CF/88).
- Pacto de San José da Costa Rica
(Convenção Americana de Direitos Humanos), art. 13: "Toda pessoa tem direito à liberdade
de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de
buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem
consideração de fronteiras, verbalmente, por escrito ou em forma impressa
ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. O Brasil
é signatário desse tratado.
- Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) de 1979. O encarceramento desproporcional de uma
mulher em por ato de manifestação política pacífica pode ser interpretado
como forma de violência institucional e simbólica, especialmente quando se
usa sua condição para dar exemplo dissuasivo à sociedade. O Brasil aceitou
esse tratado em 1984.
- Teoria do Direito Penal do Inimigo
(Günther Jakobs): O caso
remete à crítica doutrinária ao uso do Direito Penal como meio de controle
político e ideológico.
- Direito Penal Simbólico – conceito
doutrinário: A condenação
é exemplo típico do chamado direito penal simbólico, onde o Estado
pune não um ato perigoso em si, mas um comportamento que ameaça simbolicamente
o poder.
- Princípio da Ampla Defesa e do
Contraditório – CF, art. 5º, incisos LIV e LV:
"ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"; "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes." - Declaração Universal dos Direitos
Humanos (ONU), art. 19: "Todo
o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão..."
*Elvis Rossi da Silva. Cristão, pai de família,
advogado. Autor de artigos jurídicos, escritor e jornalista independente.
Livros do autor: Circo Do Mundo
, Fábulas para Hoje
, Pensamentos ao Filho
, Contos Para a Infância , Plúrimas , Aos Amigos que Não Tenho
Telegram: https://t.me/fakingmeter
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