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TEATRO JUDICIAL E CENSURA

Deixando de lago tudo o que vimos falando nos últimos anos sobre o risco que nossa liberdade corre, o julgamento do Marco Civil da Internet (Lei 12965/2014) parece ser o trojan perfeito para bugar definitivamente a liberdade política. O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que coloca em xeque o artigo 19, tem implicações mais profundas do que imagina nossa grande massa de jornalistas e redes de TV. A provável decisão de responsabilizar plataformas digitais, como o WhatsApp, pelo conteúdo publicado por seus usuários antes mesmo de uma ordem judicial ser emitida, levanta questões cruciais não somente sobre privacidade, liberdade civil e expressão, mas os limites do poder estatal nas mãos de alguns agentes do estado.

A forma que alguns ministros trataram a questão na última cessão de julgamento (27/11/2024) devia ser suficiente para quem tem apenas dois neurônios ficar com a pulga atrás da orelha. Risadinhas e chacota contra advogados em plena audiência nos revelam os tipos de indivíduos que temos exercendo a função de ministros, um risco para a nação. Quer os ilustres ministros tenham feito isso por não saberem se comportar ante tão funesta causa, quer propositalmente, o fato revela que não poderiam jamais ocupar tão importante função pública. Eis aí o resultado com o pé na porta.

Mas, fazendo de conta que ninguém tenha percebido esse desvio de personalidade, importa dizer algumas outras coisas que tal decisão provavelmente trará.

Aplicativos ou plataformas de comunicação, tal qual o WhatsApp, se fundamentam na criptografia de ponta a ponta, assegurando que apenas o remetente e o destinatário das mensagens tenham acesso à elas. Nem mesmo a empresa tem capacidade de visualizar os conteúdos. Isso não é apenas uma questão técnica, é a garantia prática do direito à privacidade assegurado pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que protege a inviolabilidade da correspondência e das comunicações. E o artigo 19 do Marco Civil da Internet tenta preservar esse direito fundamental.

A provável decisão dos indigitados ministros não apenas violaria a privacidade dos cidadãos, como eliminaria mais um direito constitucionalmente garantido. Essa ação da corte constitucional transformaria a constituição - que deveria proteger - num faz de conta de papel, demonstrando que o discurso democrático dos ministros não passa de um teatro para ocultar suas verdadeiras intenções.

Ser isso não bastasse, pense no seguinte. A nova interpretação sobre o Marco Civil (que determina que provedores de aplicação sejam responsabilizados pelo conteúdo publicado por seus usuários apenas se deixarem de removê-lo após ordem judicial), por exemplo, levaria o WhatsApp a uma incompatibilidade técnica e jurídica. E para cumprir tais ordens, seria necessário desfazer a atual estrutura do aplicativo, comprometendo não só a segurança coletiva das comunicações, como também a privacidade (procure no blog sobre direito da personalidade e você saberá mais).

Isso quer dizer que, ou o WhatsApp muda toda a sua estrutura (do software) ou teria de deixar de atuar no Brasil (ou seria banido ou suspenso, caso recusasse, como outras plataformas já o foram), pois o serviço estaria (estará?) potencialmente inviabilizado no Brasil, pois em desacordo com a nova decisão dos ministros.

O quadro é de uma gravidade extrema, pois a ferramenta de comunicação mais usada no Brasil (e não apenas ela, como as demais, também sujeitas à decisão), está entre uma decisão desproporcional e a violação de direitos fundamentais estabelecidos em Tratados de direitos humanos.

Nas atuais plataformas de comunicação, por exemplo, a criptografia é mais do que uma ferramenta tecnológica, é um escudo contra a vigilância e abusos por parte do estado e contra criminosos. Exigir que plataformas criem mecanismos de acesso, como "backdoors", por exemplo, significa enfraquecer a integridade da segurança digital, expondo usuários (e entre os usuários estão inúmeras entidades e órgãos públicos) a riscos como espionagem, fraudes e ataques cibernéticos.

É evidentemente um absurdo, pois tudo contraria a tendência mundial sobre segurança cibernética. Mas toda ditadura foi antecedida de absurdos brutais, risíveis, até que eles se materializassem nas mais sórdidas ações daqueles que tinham o poder nas mãos, quando as risadas passam a ser lágrimas.

Só alguém muito incapaz de somar um mais um,  ou aquele que tem sórdidos interesses no caos total, para não ver quão perto da servidão estamos. A próxima decisão dos ministros não será um mero precedente perigoso, mas as bases do autoritarismo sedimentado pelo teatro da judicialização e do equilíbrio democrático, imponto o terror do estado policial sobre cada cidadão.

Não estamos diante de uma mera interpretação jurídica, estamos diante da justificação formal da arbitrariedade e das mais brutais ditaduras nunca antes experimentada pelo Brasileiro. A justificação da censura é a mesma para a perseguição política e religiosa, criando a polícia do pensamento. E não pense que forças armadas e polícias te defenderão (veja Stanley Milgram e seu experimento sobre obediência à autoridade).

Ainda que não houvesse o risco de uma tétrica ditadura, a mudança da estrutura do WhatsApp, por exemplo, para atender decisões judiciais deste nível requereria uma completa reestruturação do sistema. Isso não apenas é tecnicamente complexo e financeiramente oneroso (e eticamente questionável) como a Meta, empresa responsável pelo WhatsApp, poderia recusar-se em fazer isso, pois comprometeu-se publicamente a proteger a privacidade de seus usuários e, por isso mesmo, simplesmente poderia decidir deixar de atuar no Brasil, seja por uma decisão de fundo ético ou puramente comercial. E a razão é muito simples, juridicamente, a criação de sistemas paralelos que comprometam a criptografia poderia levar à responsabilização da Meta em outras jurisdições (países), onde a privacidade é amplamente protegida por leis como o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) na União Europeia (no Brasil essa tentativa burlesca de alteração também poderia ser considerada uma violação ao Marco Civil da Internet e até à LGPD, não fosse o Brasil e sua peculiar brasilidade).

E ainda existe o risco de que tais efeitos se tornem globais, nos mostrando que estaríamos diante de uma ditadura mundial praticamente estabelecida. Essa decisão que obrigasse o WhatsApp a modificar sua criptografia aqui no Brasil, seria o estopim para que outros países exigissem tratamento similar, utilizando o Brasil como justificativa para enfraquecer mecanismos de privacidade, criando um efeito dominó, colocando milhões de usuários em todo o mundo em risco. Seria o Brasil de Lula e do PT fazendo concessões aos planos Globalistas de controle mundial.

Ainda que tal decisão permaneça produzindo efeitos só no distópico Brasil, uma vez que os digníssimos agentes do estado tenham todo esse poder nas mãos, quem poderia limitá-los? Fica evidente que o caminho estará aberto para vigilância massiva, o uso da força, a censura prévia e repressiva, a violação das liberdades civis e a flagrante e descarada perseguição política como ações legítimas “democráticas”.

No fim, ao se criar um ambiente no qual as plataformas serão responsabilizadas antes de uma decisão judicial ser emitida, essas empresas com absoluta certeza removerão ativa e preventivamente conteúdos que sejam minimamente suspeitos de serem contrários à ideologia do “partido”, para evitar sanções. Essa prática gera o fenômeno da autocensura, onde usuários e plataformas limitam sua expressão pelo medo de ser punido severamente (como já vemos acontecer).

Eis aí o que de fato, e em resumo, está em jogo.




*Elvis Rossi da Silva. Cristão, pai de família, advogado. Autor de artigos jurídicos, escritor e jornalista independente.

Livros do autor: Circo Do Mundo  , Fábulas para Hoje  , Pensamentos ao Filho  , Contos Para a Infância , Plúrimas  , Aos Amigos que Não Tenho

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