Pular para o conteúdo principal

POLÍTICA NACIONAL DE CIBERSEGURANÇA. UMA PULGA ATRÁS DA ORELHA DO CIDADÃO?

 


Embora não seja enxadrista, me parece que o Brasil está sempre em checkmate quando se trata de Checks and balances (freios e contrapesos, a separação de poderes que permitiria a cada ramo do governo limitar o poder do outro contra abusos). E apesar de haver, sim, riscos de a nação passar por incidentes graves de segurança cibernética, o fato não muda o risco das ações governamentais que não passam pelo crivo do legislativo (a casa do povo) e nem haja, diretamente em casos muito sérios assim, a consulta direta da própria nação.

O risco do autoritarismo pela concentração de poderes é tão evidente hoje que algumas leis (ou normas) quando surgem, liga-nos um alerta vermelho quanto aos direitos civis, pois a legitimidade democrática, a representatividade, acaba sendo posta de lado.

A questão é o novo Decreto (nº 11.856, ) promulgado pelo Executivo Federal dia 26 de Dezembro, criando a política nacional sobre cibersegurança e o Comitê Nacional de Cibersegurança (CNCiber).

Embora o discurso aparente da norma seja a “garantia dos direitos fundamentais”, o viés político que o precede no mundo real nos tem posto a dormir de olhos abertos.

Me dá calafrios quando se começa a criar comitês. Pensando na história recente, por exemplo, o Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti, especialista na censura e repressão de opositores ao regime soviético.

Na norma, o comitê tem como função propor atualizações e medidas para a PNCiber, Estratégia Nacional de Cibersegurança e Plano Nacional de Cibersegurança (Art. 6º, I-III). Isso dá ao comitê o poder de influenciar e moldar as diretrizes nacionais de “cibersegurança” que serão implantadas sem uma lei que o limite e defina. Sem falar que seus membros também não são eleitos e estão sob o poder do executivo.

A regulamentação e controle da internet sempre são preocupantes; lembra do Projeto de Lei n° 2630, de 2020? A rede mundial hoje é o maior meio de comunicação existente. O decreto prevê o desenvolvimento de mecanismos de regulação, fiscalização e controle destinados a “aprimorar a segurança cibernética nacional” (Art. 3º, X). Norma permissiva, aberta, verdadeiro cheque em branco. Esses mecanismos podem implicar um maior controle por parte do Estado, evidentemente. AO que parece, o Decreto é uma burla ao citado projeto de lei.

Embora enfatize princípios de “proteção” e “cooperação”, a centralização e controle governamental crescente é perigosa para a nação, aos direitos individuais e privacidade. Regulamentação, maior controle e fiscalização pode implicar numa ferramenta sem precedentes de poder ao Estado. Junte a isto projetos como o SNIPER e o DREX, e teremos um grande ''mexidão'' de ovos serpentinos, pronto a ser servido ao povo.

O controle por parte do Estado na esfera digital levanta questões sobre restrições e monitoramento das atividades. Eis o motivo de ter iniciado o texto com a questão dos Checks and balances. Mesmo que se advogue que seja apenas uma norma diretiva e órgãos de consulta, é evidente que a teoria, na prática, é outra.

Mecanismos de regulação e controle, já falei? Podem resultar em políticas mais rígidas de monitoramento e restrição de atividades online, afetando a liberdade de navegação, liberdade de opinião, e tudo que se cruze ou se passe pela internet. A censura disfarçada de “cuidados paternais” do Estado é tão desastrosa quanto a censura ostensiva e fisicamente violenta.

O problema, se dirá por aí, é a preocupação com o uso livre da internet e o necessário equilíbrio democrático com a segurança cibernética, para proteger efetivamente os direitos individuais e da privacidade. Perfeitamente, nobre cidadão, mas a implementação dessas medidas exige, de fato, debates prévios, longos, públicos, imparciais, legitimidade política e, sempre, a consciência de que a DEMOCRACIA real não parte de 10 ou 11 cabeças coroadas, mas da nação, da opinião do povo, do contínuo questionamento para o aprimoramento da sociedade, o aprimoramento das instituições. Não se faz uma sociedade livre e justa com normas prontas e amordaçando o povo.

Nem entrarei no tema da estrita legalidade violada, da colidência e possível sobreposição de atribuições entre a ANPD e CNCiber.

Ouso, aqui, por fim, valer-me de um trecho da importantíssima e recente Declaração de Westminster que diz: "O discurso aberto é o pilar central de uma sociedade livre e é essencial para responsabilizar os governos, capacitar grupos vulneráveis e reduzir o risco de tirania".

 

Fico por aqui.

 

*Elvis Rossi da Silva. Cristão, pai de família, advogado. Autor de artigos jurídicos, escritor e jornalista independente.

 

Livros do autor: Circo Do Mundo  , Fábulas para Hoje  , Pensamentos ao Filho  , Contos Para a Infância , Plúrimas  , Aos Amigos que Não Tenho

 

Telegram: https://t.me/fakingmeter

 
 ___________

 

FAKING METER baseia-se no princípio da apreciação da discussão sobre cultura e política, um diálogo com verdade e honestidade para com o leitor.  

Você nos ajudará a manter um oásis revigorante num deserto cada vez mais contencioso do discurso moderno?

Por favor, considere fazer uma doação agora. Entre no nosso Telegram - https://t.me/fakingmeter - e saiba como no post fixado.  

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A POLÍTICA DOS DUENDES

Em homenagem a Bernardo Guimarães ("Orgia dos duendes", poema original do autor). I Meia-noite soou no Congresso, No relógio de sino do salão; E o líder, soberano do processo, Sentou-se no assento de decisão. Deputado apanhava os projetos E no plenário debates acendia, Revirando discursos complexos, Para uma reforma de grande folia. Ao lado, um político astuto, Que saíra do antro dos conchavos, Pendurado num cargo pelo umbigo, Manipulava subornos aos favos. Senador, uma figura amarela, Resmungando com ar carrancudo, Se ocupava em frigir na panela Os acordos com propinas e tudo. Ministra com todo o sossego A caldeira do esquema adubava Com o sangue de um velho premente, Que ali mesmo co'as unhas sangrava. Empresário fritava nas banhas Que tirou das entranhas do Estado, Salpicado com pernas de aranhas, Frescos contratos superfaturados. Vento norte soprou lá na sala, Prestígio na mesa espalhou; Por três vezes ecoou a matraca, Na coalizão o deputado acenou. E o líder com as m

O TERMÔMETRO NOSSO DE CADA DIA

O TERMÔMETRO NOSSO DE CADA DIA OU A LIBERDADE É NEGOCIÁVEL?     As coisas andam para uma alienação da liberdade sem precedentes, onde a população simplesmente aceita qualquer coisa vinda do estado, ainda que sem lei, sem comprovação de eficácia e sem importar o resultado de tudo.   Para mim isto beira à psicose.   A palavra “saúde pública” parece que tornou-se um Pir Lim Pim Pim moderno. Saúde não é e nem tem como ser separada da “vida real”, quer dizer, na vida real, em sua complexidade, a saúde, a economia, o trabalho e a liberdade fazem parte de um mesmo ‘pacote’ . Não é possível separar esses elementos como se fosse um livro de anatomia onde a ‘pessoa’ é vista em partes; ora, nem preciso dizer que não é uma pessoa no livro, mas apenas a figura que a representa; a pessoal real estaria sem vida se fosse dividida como nas figuras, já não seria mais a pessoa. A vida real também é assim. Não bastassem as máscaras (e não vou ficar falando de microbiologia, virologia, infect

O SONHO DE TODO DITADOR?

O sonho de todo ditador, ao que vemos, é controlar tudo. Mas controle é palavra incipiente hoje, que não demonstra o desejo real nem a possibilidade real que a tecnologia (juntamente com a mídia) possibilitam. Talvez a palavra mais apropriada seja domínio. Controle dá a entender que há algo sendo controlado, que ainda existe um algo, um ser controlado. Domínio, porém, dá o aspecto de absoluto, onde não há “sombras” fora da vontade do dominador. Etimologicamente a ideia é essa, aquele que dita as regras da casa; a casa é sua, as regras são suas, os que estão nela lhe pertencem como sua propriedade, ele tem todo o poder de fazer o que bem entender, libertar ou escravizar, matar ou deixar viver, esta é a origem do termo domínio. O nível de sofisma e autoritarismo nos pronunciamentos de certas autoridades nunca foram vistos antes na história do país. Recentemente um destes ilustres da república disse que bastaria uma única norma a ser editada pelo governo para dar licença para encaixar