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A POLÍTICA DOS DUENDES

Em homenagem a Bernardo Guimarães ("Orgia dos duendes", poema original do autor).


I

Meia-noite soou no Congresso,

No relógio de sino do salão;

E o líder, soberano do processo,

Sentou-se no assento de decisão.


Deputado apanhava os projetos

E no plenário debates acendia,

Revirando discursos complexos,

Para uma reforma de grande folia.


Ao lado, um político astuto,

Que saíra do antro dos conchavos,

Pendurado num cargo pelo umbigo,

Manipulava subornos aos favos.


Senador, uma figura amarela,

Resmungando com ar carrancudo,

Se ocupava em frigir na panela

Os acordos com propinas e tudo.


Ministra com todo o sossego

A caldeira do esquema adubava

Com o sangue de um velho premente,

Que ali mesmo co'as unhas sangrava.


Empresário fritava nas banhas

Que tirou das entranhas do Estado,

Salpicado com pernas de aranhas,

Frescos contratos superfaturados.


Vento norte soprou lá na sala,

Prestígio na mesa espalhou;

Por três vezes ecoou a matraca,

Na coalizão o deputado acenou.


E o líder com as mãos ressequidas

Deu o sinal por três vezes seguidas,

Convocando a turma escolhida

Dessa orgia política tão querida:


"Vinde, ó filhos das negociatas,

Lobistas do rabo vermelho,

Vinde, vinde inflar pesquisas e datas,

Que hoje é festa do grande aparelho.


Senadores do Monte Esquemas,

Que fazeis lá no fundo do erário?

Dos cofres trazei-me as supremas

Notas, subornos, maços solidários.


Ide já procurar a maleta

Que me deu o amigo vagabundo,

Do sepulcro trazei-me a imprensa,

Pendurai-a no alto do muro.


Onde estás, que ainda aqui não te vejo,

Político sagaz e gentil?

Eu queria cumprimentar-te com um beijo,

Pela emenda do obscuro covil.


Emissário de negociatas da morte,

Que te aninhas no dinheiro em brasa, 

Vem agora, esquece a tua sorte,

Vem criar moeda digital da bravata.


Licitante, que moras na cova

Onde a mão da democracia enterrei,

Tu não sabes que hoje é lua nova,

Que é o dia das danças da lei?


Tu também, Ministro da verdade,

Não deplores o suco das uvas;

Vem beber excelente vinho

Que do pranto arranquei das viúvas.


Jurista, o que fazes, meu bem,

Que não vens ao sagrado esquema?

Como tratas com tanto desdém,

Quem a coroa te deu de suprema?"



II.


Mil políticos dos bastidores surgiram, 

Batucando, ovacionando em castas,

E mil idiotas úteis saudando,

Os oficiais cargos blindava.


Três ministros vestidos de roxo

Sentaram-se aos pés do patrão,

E um deles, que tinha o pé coxo,

Começou a cantar a corrupção.


Corrupção, que letra nefasta

Tinha rima com o ornejo do burro,

E em uníssono se ouvia a cantata

Ecoando pela mídia do tubo.


Nepotistas trepados nos cargos

Com o rabo enrolado na verba,

Uns agitam sonoros cifrões,

Outros se põem a contar suas moedas.


Ali os juristas roncavam

Com ruído de grande fragor;

E na inchada barriga dum velhaco,

Esqueleto tocava tambor.


Da carcaça da lei fundamental

E das tripas da moral e da ética,

De uma ativista engenhosa o bestunto

Armou logo a viola elétrica.


Sentado aos pés do manguaça,

Empreiteiro batia a batuta

Com um celular irrastreável

Negociava de forma astuta.


Já ressoam tambores e rufos,

Ferve a dança das negociatas;

Senadores batendo  tamancas,

Sapateando cantando: mais trapaça!


Ministra, política tarasca,

Arranhando fanhosa bandurra,

Com tremenda embromação descasca

A barriga dum cidadão Caturra.


O cidadão, trabalhador honesto

Que um dia protestou lá na rua;

Mas quem um dia imaginaria

Que milicos cometeriam impostura?!


Já no meio da roda zurrando

Surge o ministro da suprema verdade,

Bate palmas, a súcia berrando:

Viva! Viva a suprema vontade!


E dançando em redor da fogueira

Vão girando, girando sem fim;

Cada qual uma estrofe trapaceira

Vão cantando alternados assim:


III.

MINISTRA.


Dos cargos de poder as primícias,

De meu pai entre laços herdei;

E dos favores de políticos pulhas

Deu-me um salário que jamais eu sonhei.


Mas se minha sede foi tanta,

Num partido de direita me filiei;

Onde a queda, eu vi numa janta,

Da honestidade, e de rir não parei.



EMPRESÁRIO.


Por conselhos de um bom lobista

Diversas licitações eu ganhei;

E depois por esquemas e malícia

Mil contratos para o Estado criei.


Os cidadãos, a quem despojei,

Conduzi da indignação à simpatia,

E seus filhos, por artes que sei,

Me adulam com carinho e serventia.



SENADOR.


Como membro de um partido honrado

Uma grande caixa preta criei;

E de empreiteiras um cento roubado

No cofre da política multipliquei.


Mas na vida corrupta de político

Fui suspeito e até condenado, 

Até que um dia um amigo de escândalos,

Me absolveu de todo pecado.



ESQUELETO DA DEMOCRACIA.


Por fazer aos corruptos guerra

Mil mentiras sobre mim se espalhou;

Quantas verdades queimaram sobre a terra...

Meu fim perfeito nela se modelou.


De tanto triunfar a mentira,

De tanto a desonra ganhar;

Agigantou-se o poder dos maus,

E no esquecimento me fizeram afogar.



MÍDIA EXTREMA.


Por um político eu morria de amores,

Que, afinal, meus favores pagou;

Meu chefe, fervendo em alegria,

Logo a libertinagem entre nós liberou.


Da verdade enjoei-me dos laços,

E ansiosa quis vê-los quebrados,

A consciência matei em pedaços,

E depois a comi aos bocados.


Entre galas, veludo e damasco

Eu vivi, uma jornalista tão nobre;

E por fim frente aos olhos aéreos,

Fui alçada à mãe da verdade.



JURISTA.


Eu fui professor, e os inimigos

Por interesse fazia errar;

E saibam, por servir aos amigos,

Absurdos fazia publicar.


Por patrocinar causa devassa

Esse talento me fez de patrono;

E por ele tornar arma grassa,

Ganhei prestígio, uma capa e um trono.


Com sangue e suor fui armando 

Com os maus grata parceria,

Para enfim a justiça destronando,

Vir ao povo servir só fantasia.



LÍDER.


Fui presidente, aos meus detratores

Por cisma mandei encerrar;

E sabia que os meus algozes

Um dia eu iria derrotar.


Das promessas políticas lançadas

Dei foi mesmo falso exemplo;

O que gosto de fato é cachaça, 

Cabrita e um bom empreiteiro.



IV.


Do esquema infernal, que não finda,

Turbilhona o fatal rodopio;

Mais veloz, mais veloz, mais ainda,

Ferve a dança como um corrupio.


Mas eis que no mais quente da festa

Do juiz um martelo se ouviu;

Galopando milhas aéreas,

Magro espectro sinistro surgiu.


Hediondo esqueleto aos arrancos

Chocalhava nas abas da toga;

Carrancudo, e brilhando a testa, 

Com a caneta definia as notas.


O clicar da caneta zunindo,

A nojenta classe inocentava;

E à esquerda e à direita, zurzindo,

Com voz rouca dessa forma bradava:


"Fora, fora! políticos sinceros,

Patriotas, essa gente mirrada!

Para a cadeia esses 'desdemocráticos' eternos!

Para a condenação essas almas danadas!"


Um estrondo estoura nas cadeiras,

Que recendem com cheiro de enxofre;

E nos pórticos ocultos da mídia, 

Toda a sujeira emergiu-se de chofre.



V.


Mas não lembraram os diabos de gravata,

Que perto estava o albor do dia

Que a Justiça celeste chegava

E desfazia nefasta orgia.


E nos raios da luz que descia 

Trombetas tocavam arcanjos, 

E brilhando as auras suaves 

A boa nova iam espalhando.


E na sombra daquele Congresso,

Que inda há pouco viu tantos horrores,

Passeando, sozinha e sem medo,

Uma criança repleta de amores.





*Elvis Rossi da Silva. Cristão, pai de família, advogado pós-graduado. Autor de artigos jurídicos, escritor e jornalista independente registrado no MTP.

 

Livros do autor: Circo Do Mundo  , Fábulas para Hoje  , Pensamentos ao Filho  , Contos Para a Infância , Plúrimas  , Aos Amigos que Não Tenho

 

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