Pular para o conteúdo principal

ANTOINE DE SAINT-EXUPERY - CONSCIÊNCIA E VERGONHA

 


Lendo 'Terra dos Homens' de Exupery, fui arrebatado por uma imagem que exsurge tão real quanto a vida. Ali, materializa-se das páginas, do gelo das montanhas, um piloto sobrevivente. Nos gélidos cumes e resvalando na morte, caminhava por dias. Buscava manter-se vivo ou, caso morresse, deveria ao menos chegar em um lugar onde o corpo facilmente pudesse ser encontrado pelo bem da amada, uma vez que o desaparecimento impediria que recebesse o prêmio do seguro imediatamente, caindo na penúria. 

Ali, o bravo homem, sua memória antes vigorosa, movida pelo amor, passou a definhar-se como o corpo, e a cada parada para um breve alívio, esquecia-se de algo; primeiro uma luva, depois, o relógio, o canivete e, então, a bússola. Relembra o sobrevivente que toda vez que resolvia parar ''eu me empobrecia''.

Nesse ponto parei como se me visse ali. Esse esquecimento que envolvia o desventurado piloto, quantas vezes não nos sobrecaiu? Quando é que não paramos alguma vez a marcha e, envoltos pelo frio mundo, não deixamos algo pelo caminho? Quando foi não nos esquecemos até do próprio motivo da caminhada, a busca da verdade eterna? 

E o que salva o piloto do fatídico desfecho? Na história, um passo sobre passo o salva. A consciência do dever humano de saber que tem uma responsabilidade; e como diz o sobrevivente, "o que eu fiz, palavra que nenhum bicho, só um homem, era capaz de fazer"; eis o que movia seus inchados pés, o dever que apenas o homem é capaz de  reconhecer. 

Sim. O homem é capaz de dar esse passo. É capaz porque tem a consciência da responsabilidade, ainda que por sua própria alma que, no fim, não é sua, é de Deus e a Ele voltará. Quem daria um passo em direção contrária à torrente deste mundo?  Num vale de sombra e morte quem diria, senão um homem consciente, "não temerei mal algum, porque Estas comigo?", ou mesmo, "miserável homem que eu sou..."?

Que diante do gélido mármore do mundo, possamos dar cada passo em direção à verdade, movidos por esta consciência de responsabilidade e vergonha diante de toda miséria humana, inclusive a nossa própria. 


*Elvis Rossi da Silva. Cristão, pai de família, advogado pós-graduado. Autor de artigos jurídicos, escritor e jornalista independente registrado no MTP.

 

Livros do autor: Circo Do Mundo  , Fábulas para Hoje  , Pensamentos ao Filho  , Contos Para a Infância , Plúrimas  , Aos Amigos que Não Tenho

 

Telegram: https://t.me/fakingmeter

 
 ___________

 

FAKING METER baseia-se no princípio da apreciação da discussão sobre cultura e política, um diálogo com verdade e honestidade para com o leitor.  

Você nos ajudará a manter um oásis revigorante num deserto cada vez mais contencioso do discurso moderno?

Por favor, considere fazer uma doação agora.

Entre em nosso Telegram - https://t.me/fakingmeter - e saiba como no post fixado 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MITOMANIA, SEGURANÇA E ELEIÇÕES

    Voto Universal, Fiscalização do processo eleitoral, Auditoria dos votos, Opiniões, Jornalistas e Livros, proíba qualquer um destes e teremos algo bem diverso de uma democracia.  Certas autoridades do Estado, que deveriam levantar sempre a bandeira da liberdade, vêm aumentando a perseguição e a criminalização da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e até de pensamento. Expor os riscos ou crimes contra um sistema usado para dar concretude à democracia é um dever cívico . Apenas o criminoso, que não quer ser descoberto, pode argumentar contra esse dever.  O sufrágio é o direito que o cidadão tem de escolher seu representante político (é o voto). Fosse um país sério, mecanismos eletrônicos para exercer o voto seria tema contínuo de discussão.  O sufrágio não pode ter intermediários (mesmo nos sistemas que utilizam o voto indireto, escolhendo-se delegados que depois votarão, o voto direto não deixa de existir no caso da eleição do próprio colegiado e deste para o pre

A POLÍTICA DOS DUENDES

Em homenagem a Bernardo Guimarães ("Orgia dos duendes", poema original do autor). I Meia-noite soou no Congresso, No relógio de sino do salão; E o líder, soberano do processo, Sentou-se no assento de decisão. Deputado apanhava os projetos E no plenário debates acendia, Revirando discursos complexos, Para uma reforma de grande folia. Ao lado, um político astuto, Que saíra do antro dos conchavos, Pendurado num cargo pelo umbigo, Manipulava subornos aos favos. Senador, uma figura amarela, Resmungando com ar carrancudo, Se ocupava em frigir na panela Os acordos com propinas e tudo. Ministra com todo o sossego A caldeira do esquema adubava Com o sangue de um velho premente, Que ali mesmo co'as unhas sangrava. Empresário fritava nas banhas Que tirou das entranhas do Estado, Salpicado com pernas de aranhas, Frescos contratos superfaturados. Vento norte soprou lá na sala, Prestígio na mesa espalhou; Por três vezes ecoou a matraca, Na coalizão o deputado acenou. E o líder com as m

O TERMÔMETRO NOSSO DE CADA DIA

O TERMÔMETRO NOSSO DE CADA DIA OU A LIBERDADE É NEGOCIÁVEL?     As coisas andam para uma alienação da liberdade sem precedentes, onde a população simplesmente aceita qualquer coisa vinda do estado, ainda que sem lei, sem comprovação de eficácia e sem importar o resultado de tudo.   Para mim isto beira à psicose.   A palavra “saúde pública” parece que tornou-se um Pir Lim Pim Pim moderno. Saúde não é e nem tem como ser separada da “vida real”, quer dizer, na vida real, em sua complexidade, a saúde, a economia, o trabalho e a liberdade fazem parte de um mesmo ‘pacote’ . Não é possível separar esses elementos como se fosse um livro de anatomia onde a ‘pessoa’ é vista em partes; ora, nem preciso dizer que não é uma pessoa no livro, mas apenas a figura que a representa; a pessoal real estaria sem vida se fosse dividida como nas figuras, já não seria mais a pessoa. A vida real também é assim. Não bastassem as máscaras (e não vou ficar falando de microbiologia, virologia, infect