Se pudéssemos apontar três coisas que são definitivamente importantes na sociedade moderna seriam o Estado, a tecnologia e a própria sociedade, é claro. Evidentemente que são designações genéricas, pois os agentes históricos é que realmente estão por detrás deles. O Estado como uma engrenagem meio simbiótica de sujeitos ocupantes de cargos de poder político, agentes públicos exercentes de poder ou funções importantes, indivíduos sem cargo ou função mas com influência política inquestionável, e uma elite financeira nacional e internacional que busca dar as cartes conforme seus interesses, e entre estas a própria elite tecnológica). É claro que isso é um resumo da coisa, que é bem mais complexa e não tão cartesiana. Já a tecnologia está representada pelos megagrupos que desenvolvem ferramentas capazes de mudar a sociedade, criar ou extinguir, quase que do dia para a noite, segmentos inteiros da economia ou ainda criar comportamentos não apenas de alguns, mas de milhões ou até bilhões de pessoas pelo mundo. E a sociedade composta por pessoas, o ser humano de carne e osso, que deveria estar no centro de tudo isso.
A questão
é que todo fato que surge na sociedade, ou já está ou previsto como uma conduta
regulada pelo Estado, por meio de leis em sentido amplo, ou está na mira de o ser
muito em breve. Hoje não há área da vida humana que não esteja regulada de
alguma forma pelo direito, de modo que a máxima antiga de que podemos tudo o
que o a lei não proíbe, na prática é algo inexistente, e se não houver uma lei
específica, o judiciário tem ferramentas legais para aplicar o direito mesmo
nesses casos, suprindo qualquer esquecimento que o bondoso Estado tenha incorrido.
A
tecnologia que surge, assim que se torna pública (quer dizer, acessível ao
público em geral) imediatamente cria um comportamento social. Essa conduta será
ou já o é, necessariamente, regulamentada pelo direito, quer dizer, será uma
conduta jurídica. Assim, direito e tecnologia se tornaram mecanismos que afetarão
a sociedade, dizendo como, quando e para onde ela deve se mover. Qualquer
espontaneidade do ser humano, hoje, seria uma mera coincidência, existindo até
que o poder dominante (agentes históricos) decida o que fazer com ela.
A
tecnologia vem trazendo elementos que não existiam na sociedade, elementos que vêm
mudando a forma de ver e pensar a própria realidade. A linguagem já não reflete
a realidade nem da coisa tecnológica em si, assumindo um aspecto hiperbólico, por
exemplo, a “realidade virtual”. A confusão do virtual com o real só pode ser
uma figura de linguagem hiperbólica que, em princípio, até se poderia aceitar,
mas depois de alguns segundos de reflexão, reduzir a complexidade do universo a
um conjunto de dados e imagens num computador e equiparar isso ao mundo
concreto em que vivemos só pode ser alguma patologia delirante. O problema é
que tal linguagem figurada se torna a descrição dessa realidade construída na
mente de quem fala, e acaba sendo propagada pela sociedade.
O tecido
da realidade é complexo e o contato com a realidade que nos cerca, em toda sua
complexidade, é o que dá ao ser humano (sociedade) a capacidade de formar seu
caráter, sua personalidade. A coisa pode chegar ao extremo, como mostram experimentos
de privação sensorial, onde ao final a pessoa tem sintomas alucinatórios.
A
tecnologia pode fazer com que muitos percam essa conexão com a realidade, quer
dizer, o contato multivariado no universo de sensações e relações sociais necessárias
à personalidade humana, e essa desconexão pode chegar ao ponto de criar uma
espécie de hipnose alucinante, onde o virtual pode ser, aí sim, confundido com
o real. E o problema é justamente esse.
A partir
do momento que essa espécie de desconexão se torna algo comum, se torna uma
conduta reiterada (seja voluntária ou induzida, não importa), ela faz surgir um
fato social que vai tomando proporções relevantes e fazendo surgir questões (que
num primeiro momento seriam jocosas) que precisarão ser resolvidas, atraindo,
então, o interesse dos poderes daqueles agentes históricos, inclusive do Estado
que terá de regular esse novo fato social, e aquilo que antes seria algo puramente
subjetivo e sem interesse como um jogo, se torna uma “realidade” paralela ou
até uma “extensão” da realidade mesma, e o que era mero vício da linguagem, se
torna padrão de pensamento que se auto-replica.
Aquilo,
então, que era pura subjetividade na cabeça de alguém, com o tempo e uma boa
dose de propaganda, dá nascimento à uma normatização, uma regulação pelo
Estado, tornando a coisa “séria”, criando mais um ciclo de mudança na
sociedade.
É preciso entender isso para entender o
fenômeno das denúncias de ‘’assédio sexual sofrido’’ no Metaverso, para se
entender a importância disso.
O direito
é algo que nasce na sociedade (como a moral) necessariamente, pois existem dois
sujeitos na relação que devem seguir alguma regra de convivência. Mas acontece
que o direito, hoje, já não é o que era, como já adiantamos.
Se nós
ainda tivéssemos a consciência da Ordem Superior regrando nossas vidas, a Lex Aeterna guiando o ser humano, o que
é praticamente inexistente na sociedade, não importaria muito o lugar ou o que
as pessoas estivessem fazendo, ainda que em um jogo ou numa esfera virtual (se
é que ali estariam), suas condutas não tenderiam à degeneração. Claro que isso,
hoje, é quase utópico. Mas a despeito disso, como já dissemos, a tecnologia que
vem cada vez mais sendo integrada na vida do ser humano (quando não visa
substituí-lo), cria situações que, para o bem ou para o mal, o Estado terá de
intervir e criar regras que garantam a “boa convivência” entre as pessoas.
Teoricamente
parece tudo muito certinho. O problema é que chegamos num estado de coisas no
qual a lei já não cria ordem, cria apenas regras que, muitas vezes, se prestam
a modelar a sociedade (engenharia social), a quantidade de leis por si mesma
acaba tornando impossível uma ordem realmente
coesa. E em não havendo mais ordem superior a ser seguida ou atingida, e
sendo impossível de se cumprirem todos os “direitos” (seja pelas pessoas seja pelo Estado que promete o um céu de
maravilhas), no fim, esse caos (planejado) se torna mais uma ferramenta do
famoso “mundo melhor” que, todavia, jamais chegará (resumindo, mais um
mecanismo revolucionário que promete e nunca cumpre, e estará sempre em
movimento aguardando a procura de um novo culpado pelo seu próprio fracasso).
Mas isso
gera mais coação social, de modo que, agora, o Estado colocará sua grande mão dentro
de um “jogo”, uma “realidade” virtual, e as condutas ali dentro passam a ser
coagidas, seja psicológica, seja juridicamente, de modo que o que era uma mera
representação, passa a ser uma representação de uma representação, ou uma
espécie de teatro psicótico, aceito como normal por todos.
O pior
ainda é se essa brincadeira vier a ser imposta (como sempre acaba) às pessoas
num futuro próximo.
Posso até
ver o Estado, em breve, criando regras para a ‘’vida virtual’’, criando regras de
casamento, pensão, direitos de personalidade e, quem sabe, alguns crimes onde gente
real será presa por um beliscão virtual, tornando aquilo que beirava a
insanidade algo absolutamente “normal”, que acabará se estendendo à vida real,
se é que esta, pela tecnologia que tende a crescer sem limites, existirá num
amanhã.
Voltamos,
então, à condição alucinante onde quem está usando estes sistemas virtuais
achará que realmente está “dentro da realidade”, reclamando proteção jurídica,
exigindo ao Estado que regule esses comportamentos, que regule o puro
subjetivismo, ajudando a estabelecer a obediência de uma multidão aos planos
mirabolantes de agentes que querem tornar a sociedade uma massa inconsistente e
inconsciente, um amassa passível de ser movida de um lado a outro sem
questionar.
*Elvis Rossi da
Silva. Cristão. Advogado. Pós-graduado em Direito Civil e Direito Processual
Civil. Pós-graduado em Direito Tributário. Graduado em Ciências Jurídicas e
Sociais pela Universidade de Marília. Autor de artigos jurídicos. Escritor.
Jornalista independente registrado no MTP.
Livros do
autor: Circo Do Mundo , Fábulas para Hoje , Pensamentos ao
Filho , Contos Para a
Infância , Plúrimas , Aos Amigos que Não
Tenho
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