É
extremamente necessário, ante a conjuntura política mundial (e evidentemente a nacional),
inclusive após a canhestra CPI, que imprimamos continuidade à nossa série de
artigos sobre ética médica e experimentos médicos em seres humanos,
transcrevendo o estudo da maior autoridade em nosso país sobre o assunto, Dr. Geneval
Veloso de França, obra base nas faculdades de direito.
PESQUISA EM SERES HUMANOS
“O homem será sempre a realidade primeira,
origem e fim de qualquer sociedade organizada. A vida humana é, portanto, o bem
mais fundamental, e o Estado garante essa integridade como um interesse acima
de todos os outros. É a forma mais racional de garantir a sua existência e perpetuidade.
”
“Aqui o conceito de vida é
eminentemente biológico e não jurídico-civil. É, portanto, a vida o estado em
que se encontra o ser humano animado, quaisquer que sejam suas condições físicas
e psíquicas. ”
“Dessa maneira, toda ameaça à
integridade física ou à saúde do homem, como, por exemplo, uma experimentação
científica, é, indiscutivelmente, um ato ilícito, mesmo que haja voluntariedade
nessa permissão. ”
“Em 1946, a Associação Médica
Americana, através do Comitê Médico Americano para Experiência de Guerra,
estabelece três princípios que deveriam ser levados em conta nas pesquisas com
seres humanos:
1. consentimento voluntário do
experimentado;
2. conhecimento prévio dos riscos
da pesquisa em animais;
3. execução, proteção e
acompanhamento médico na experimentação.
Mas foi com o Código de Nuremberg,
editado em 1947, por ocasião do julgamento de criminosos de guerra nazistas,
que se teve um conjunto de normas e procedimentos éticos sobre pesquisa em
seres humanos. ”
“Somente em 1964, durante a 18ª Assembléia
da Associação Médica Mundial, adotou-se a Declaração de Helsinque, na qual
aprovava-se um conjunto de normas éticas que disciplina a pesquisa, apontando diferenças
entre a experimentação clínica combinada com o tratamento e a pesquisa clínica
não terapêutica... ”
“Hoje, o documento básico sobre ética na pesquisa científica em seres humanos é a Declaração de Helsinque II, adotada em 1975, em Tóquio, onde foram incluídas algumas cláusulas, entre as quais a de o protocolo experimental ser aprovado por uma comissão independente, de o protocolo conter fundamentos éticos e referências à obediência aos princípios dos termos originais da Declaração de Helsinque e de não aceitação de publicação em revistas científicas quando em desacordo com a nova versão dessa Declaração.
Mais recentemente, o Conselho
Nacional de Saúde, através da Resolução número 196, de 10 de outubro de 1996, estabeleceu
no item destinado aos aspectos éticos da pesquisa em seres humanos, que qualquer
experimentação nesse particular deve ter em conta o critério de respeito à sua
dignidade e a proteção de seus diretos e bem-estar...”
ASPECTOS LEGAIS
“Quando a experiência é ilícita,
nosso Código disciplina em espécie própria, caracterizada pela situação de
perigo a que expõe um indivíduo. Para ser configurado o delito, basta a ação ou
omissão que leve a uma circunstância objetiva de probabilidade de dano à
integridade do ser humano.
Portanto, não há necessidade de que
se realize o dano, pois por essa situação responderia o agente por crime mais
grave, como, por exemplo, de lesões corporais de natureza grave ou gravíssima, ou homicídio. Basta apenas a consciência de que determinada prática pode levar
a vítima a perigo grave e iminente.
Diante disso, é fácil entender-se
que o crime é eminentemente de perigo, e, desde que o indivíduo esteja em risco
de sofrer um dano, aí está consumada a infração. Destarte, não há por que negar
que a experimentação científica especulativa in anima nobili constitui-se, inegavelmente, no crime de
periclitação da vida e da saúde, pois foi criada uma situação de perigo para a incolumidade
pessoal do experimentado.
É princípio indiscutível e consagrado
que o corpo humano é inviolável e inalienável. É res sacra. ”
“Não se pode negar que a coletividade
esteja diretamente interessada no progresso das ciências, e que todos devem colocar
à disposição da pesquisa científica os meios que lhe são indispensáveis. No
entanto, é necessário saber sempre se esse interesse não se sobrepõe aos inconvenientes
que certamente tais experiências podem trazer ao homem. Mesmo que a sociedade
venha a ter interesse sobre determinada pesquisa experimental, não se justifica
tal procedimento. Devem-se criar situações em que se equilibrem os interesses
da coletividade e do indivíduo em si mesmo.”
“Fazer uso de uma droga em um caso
de câncer considerado incurável, onde todos os meios convencionais foram utilizados,
é completamente diferente das tristes e reprováveis experiências nazistas de
1938-1945 na Alemanha. Entre as pesquisas de Pasteur e as realizadas deploravelmente
em indefesos prisioneiros nos campos de concentração nazista, existe uma
tremenda e cruel diferença. ”
“O Código Internacional de Ética
Médica... estabeleceu que: “Qualquer ato ou conselho que possa diminuir a resistência
do ser humano só pode ser admitido em seu próprio interesse”. ”
“Na Declaração de Helsinque... no
item 2.1, lê-se: “No tratamento de uma pessoa doente, terá o médico liberdade para
usar uma nova medida terapêutica se, a seu ver, oferece ela a esperança de
salvar a vida, restabelecendo a saído ou aliviando o sofrimento”. ”
“... na Declaração de Genebra está
prescrito: “Manterei o mais alto respeito pela vida humana desde a concepção”.
”
“Fato notório que não pode ser
esquecido é o de Neisser. Encontrado uma criança à morte por escrofulose,
inoculou gonococos por via venosa. O pequeno paciente não morreu, mas adquiriu,
em conseqüência, blenorragia. O tribunal de Breslau condenou o experimentador à
multa e à pena de detenção, pela prática de experimentação humana.”
De Geneval
Veloso de França: Direito Médico, 12.ª edição. Forense, 2014, Páginas 471
e ss.
*Elvis
Rossi da Silva é advogado, escritor e jornalista independente inscrito no MTE.
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