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A ESCALADA DO AUTORITARISMO: O RISCO IMINENTE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO



Em 2014 escrevi (noutro lugar) sobre o risco de se instalar uma teoria/pensamento do direito penal chamado "Direito Penal do Inimigo" e a penalização de condutas que seriam consideradas normais em qualquer outro país livre, movidos pelo autoritarismo da esquerda que estava no poder executivo. Parece-me que, passados alguns anos, não apenas corremos o risco de ter a liberdade de expressão criminalizada como o autoritarismo saiu das mãos do Poder Executivo e passou para a Cúpula do Judiciário (corrijam-me se eu estiver errado, por favor). Isso impõe que toquemos no assunto novamente, pois parece que estamos mais próximo disso do que gostaríamos.


Existe uma corrente de pensamento conhecida como a “máxima intervenção do Direito Penal”, discurso do movimento conhecido como ‘Lei e Ordem’; busca considerar praticamente todas as condutas como criminosas, mesmo as de pouca ou nenhuma relevância. Esse "direito penal" serve tão somente para educar/moldar a sociedade à vontade do ditador de plantão. Explico.


Mas façamos um parêntese. 


Quem cria a lei penal é o Estado (por meio do legislativo, que elabora a lei após muito debate e reflexão - ao menos deveria ser assim); mas o Estado se movimenta por meio de seus agentes, e alguns destes - de funções e poderes mais altos -, usam-no para alcançar um poder totalitário (ainda que disfarçado de democracia), de modo que o Estado busca ser o educador da sociedade; faz isso sempre por meio da lei (por lei entenda-se qualquer norma estatal que tenha o poder de obrigar o cidadão a fazer ou não fazer algo, pela força ou pelo medo da punição). Faz isso para tentar esconder ou tampar sua "desastrosa incompetência" (que muita vez é premeditada) ou "insucesso" na tarefa de cumprir suas ''funções sociais'', permitindo que, a cada dia, não apenas a diferença econômica entre classes, mas a criminalidade real, aumentem e, junto, o descontentamento da população. 


Quando se está num estágio onde esses usurpadores do poder já dominam a máquina estatal (as partes mais importantes dela) e a criminalidade, a segurança das "instituições" e a economia estão em desequilíbrio, vai-se criando situações (com a ajuda da grande mídia) que vão desestabilizando a sociedade (seja criando conflitos entre a sociedade civil, ou entre esta e os agentes estatais ou entre as próprias instituições - seus agentes).


A população fica ''revoltada'', o que aumenta o número situações que vão causando desconforto à sociedade e, diante disso, a população (ou alguém dizendo ser ela ou dizendo o que seria a vontade dela e agindo com seu defensor) clama ao próprio Estado por mais “justiça”. Então vem o "Estado" e cria mais normas penais. Um círculo vicioso, sempre numa espiral que vai aumentando e dando cada vez mais poder àqueles que querem o controle total de todos.


Este é o quadro manipulador político. 


Agora, é preciso saber quem é o agente que causa a instabilidade e vem criando as "leis" incriminadoras. Logo mais veremos. 


Günter Jakobs, um pensador do direito penal, na secunda metade da década de 1990, criara um conceito (embora não tenha criado do nada, vez que um conceito semelhante já existia na Alemanha Nazista) chamado Direito Penal do Inimigo.


Jakobs, por meio dessa denominação, estabelece uma distinção entre um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo; este Direito Penal do Inimigo seria um Direito Penal despreocupado com seus princípios fundamentais (uma forma bonita de dizer que despreza as garantias penais), pois não estaríamos diante de cidadãos, mas sim de inimigos do Estado


Aí está o ponto! Do discurso de Lei e Ordem, chega-se ao do Direito Penal do Inimigo, que considera o sujeito que pratica uma conduta o inimigo do Estado! E há quem acredite que essa coisa de inimigo do estado é teoria da conspiração. Haja paciência!


Rogério Greco (estudioso do direito penal brasileiro) diz que o raciocínio do Direito Penal do Inimigo “seria o de um verdadeiro estado de guerra, razão pela qual, de acordo com Jakobs, numa guerra, as regras do jogo devem ser diferentes.”


Aí que está o perigo! E pense que um ministros do STF disse publicamente que a coisa agora é "bateu levou".


Não havemos de esquecer do seguinte fato recente, Governadores se reuniram em Brasília essa semana para ''discutir'' (haja aspas!) sobre o uso das polícias militares dos Estados contra o Governo Federal e até contra o povo, quer dizer, ao seu vel prazer. Contrariamente às leis, à constituição e contra o povo, isto é, preparando uma guerra?. Ora, isso desrespeita (no mínimo) o chamado Princípio Republicano, e está pondo em risco os direitos fundamentais do cidadão. 


Fato é que o Direito Penal do Inimigo, conforme elaborado por Jakobs, já existe em nossa legislação, gostemos ou não disso (ainda mais hoje quando a Corte Suprema passou a "legislar" em causa própria); quanto ao direito penal do inimigo, por exemplo, a lei que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção de ações praticadas por organizações criminosas (Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995), e isto para se ampliar, não é nada difícil. Aliás, o STF, foi além, criou, com base numa norma interna corporis (isto é, uma norma que só teria validade para casos relacionados a problemas internos de funcionamento do tribunal), criou um recurso no caso do mensalão - se lembra? - e, agora, desde 2019, criou novas competências para si, por meio de um inquérito que é um misto de processo inquisitivo, investigatório e punitivo por antecipação, além de sigiloso (menos para a grande imprensa e a tal CPI do COVID), e cria, hoje, inclusive, normas de natureza penal (cria condutas criminais), perseguindo cidadãos conforme seu agrado. Observando essas políticas verificamos que há verdadeira tentativa de modelar o ordenamento interno a estas características jurídicas do Direito Penal do Inimigo. O direito público é indissociável do seu lado político e, como já observava Miguel Reale - que hoje certamente se retorceria de cólicas ao ver tais coisas - ao Supremo, como corte político-constitucional, competiria assegurar direitos fundamentais, e não persegui-los para fulminá-los.


Assim, (como explica Rogério Greco) esse direito penal do inimigo tem como característica jurídico-penal:


1) ser prospectivo (cuja referência é um fato futuro), no lugar de retrospectivo (que busca um fato cometido no passado, comum no direito penal normal).

 

2) Suas penas são desproporcionadamente altas. Especialmente, a antecipação da barreira de punição não é tida em conta para reduzir em correspondência a pena ameaçada.

 

3)E determinadas garantias processuais são relativizadas ou, inclusive, suprimidas

 

{Mas é muita coincidência...}


É evidente que lógica e praticamente, esse direito penal do inimigo se consubstanciará naquele direito penal defendido por Edmund Mezger (embora idealizado anteriormente, seus fundamentos também propunham um direito penal do inimigo). Emfim o ápice do perigo que falamos. Explico.


Mezger foi um advogado criminalista e teórico do direito penal alemão. Embora tenha contribuído para o desenvolvimento de alguns conceitos da ciência penal, nem tudo foram flores. Durante o Governo Nacional Socialista (Mais conhecido como Nazista) foi membro da Academia Nacional Socialista para o Direito Alemão, escrevendo um tratado para orientação jurídica do Estado Nazista que relatava elementos para a proteção penal do Estado do Partido e do "Povo".


Mezger, por fim, nos anos do Nazismo, definiu como atividades ilícitas "todas as ações contra a ideologia nacional-socialista alemã", onde tudo poderia ser encaixado na definição de Inimigo do Estado desde que não se fizesse o que o Estado mandasse ou que se fizesse algo contrário ao "Estado" ou a algum agente seu (leia-se: os mandachuvas). Assim, o "Estado" prendia quem ele queria, pois, a lei era ele, a garantia era ele, e a polícia, e a justiça era dele e para ele. A lei, assim, justificava o Absolutismo do Estado Nazista.


Este é, por fim, o perigo de um discurso aparentemente inocente que busca dar à Justiça (leia-se: aos juízes) uma posição que nem a constituição, nem a sociedade lhe conferiu (ativismo judiciário - que o Ministro Barroso declarou não existir). Esse discurso de "guardiões da democracia", "da liberdade" só cola perante um público dentro de uma bolha isolada da realidade, mas não cola para quem coloca a cabeça para fora da janela e observa o que realmente eles vêm fazendo.


Por isso me parece (me corrija caso eu esteja errado) que estamos à beira da criação de um Direito Penal Totalitário, um Direito Penal do Inimigo, onde o Estado (entenda-se: seus agentes superiores) descontentes com qualquer agir - ou não gir - do cidadão que o contrarie ou não lhe obedeça, o taxará de criminoso e inimigo do Estado, ou, como disse em discurso público a Sra. Carmem Lúcia sobre aqueles que criticam a atitude de alguns juízes ou procedimentos estatais: são "inimigos da liberdade", inclusive do futuro (parece ter também o dom de profeta!). Considerando crime tudo que desagrade a Grande Mãe Estado.


Quem sabe em breve teremos marcado na testa (pela liberdade e democracia): "O Grande Irmão está vigiando você!".




*Elvis Rossi da Silva é advogado, escritor e jornalista independente.

Comentários

  1. Parabéns pelo artigo. Digno de publicação em qualquer revista jurídica por sua grande erudição.

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