PLATÃO, MÍDIA, CIÊNCIA E ALGUMA OUTRA COISA
Um amigo, lendo o artigo anterior (aqui), me lembrou dum livro chamado como mentir com estatísticas (aqui). O autor demonstra uma enormidade de casos onde estatísticas realmente verdadeiras são usadas para manipular a verdade (traduzindo: mentir), bastando algumas manobras (traduzindo: sacanagens) na articulação do texto ou mesmo a própria imagem que apresenta os dados estatísticos. Nas palavras do próprio autor (DARREL HUFF, 1964, relançado): A linguagem secreta da Estatística, com tanto apelo à nossa cultura "baseada em fatos", é empregada para sensacionalizar, inflar, confundir e supersimplificar. Métodos e termos estatísticos são necessários para relatar os dados das tendências sociais e econômicas, das condições dos negócios, da "opinião", das pesquisas, dos censos. Mas sem redatores que utilizem as palavras com honestidade e compreensão, e sem leitores que saibam o que significam, o resultado só poderá ser o absurdo semântico.
Eis nosso mote.
Platão (em O sofista) revela justamente a diferença entre aquele que quer entender a realidade e aquele que quer "moldá-la" conforme sua vontade. Num diálogo entre Teeteto e um Estrangeiro (o diálogo começa com Sócrates que passa a bola para um de seus amigos conversar a respeito do tema) ele vai mostrando isso. Em certo momento chega-se à uma primeira conclusão, essencial, de que não se pode conhecer tudo, e os sofistas acabam sendo aqueles que se declaram conhecedores de tudo (sabichões inquestionáveis) perante aqueles que seriam menos afortunados (ou mais ignorantes que os sofistas). O Estrangeiro diz:
- Logo, o sofista se nos revelou como possuidor de um conhecimento aparente sobre todos os assuntos, não do verdadeiro conhecimento.
Em seguida:
- Mas a maioria das pessoas, Teeteto, presente a tais discussões, não serão levadas, com a idade e o passar do tempo, quando entrarem em contato mais íntimo com a realidade e a experiência os forçar a sentir a verdade das coisas, a modificar as opiniões então admitidas, de forma que o que era grande lhes pareça pequeno, o que era fácil, difícil, vindo a desmoronar-se em contato com a realidade todas aquelas fantasias de palavras?
Daí:
[..] Porém, voltando ao sofista, diz-me o seguinte: já não se nos tornou evidente que ele pertence à classe dos ilusionistas, como simples imitador que é das realidades, ou ainda seremos inclinados a acreditar que possui o verdadeiro conhecimento de todos os assuntos em que se revela disputador habilidoso?
Mais adiante ele vai mostrar como as palavas (frases ou pensamentos), que num primeiro momento parecem profundas, na verdade, são uma incoerência, como é o caso do ser e do não-ser como era empregado por alguns sofistas, mais uma vez revelando a diferença entre realidade e construção (ou invenção) verbal.
Quer dizer que certas coisas existem e se pode voltar-se a elas (reais) e coisas que podemos dizer, porém, jamais serão passíveis de confirmação, investigação ou experimentação no mundo real, que simplesmente não dizem respeito a nada que exista.
Esta é, se assim podemos dizer, a segunda conclusão importante (segunda para nosso texto aqui): que o real e o que se fala podem ou não coincidir. Ou seja, pode-se falar sobre a realidade ou pode-se falar de coisas inventadas. E vai demonstrando isso.
O que nos interessa, neste momento, é justamente essas duas coisas, que haverá sempre algo que nos escape ao conhecimento. De fato. E investigar a verdade das coisas (as coisas em si) é trabalho de todo aquele que quer sair por aí falando delas. A segunda, que deve haver correspondência entre o que se fala e do que se está falando.
Sem essas duas coisas, naturalmente, o que restará é pura ilusão, ou, numa linguagem mais prática, pura empulhação. Quando não se dá atenção a essas duas verdades o que haverá é a pura mentira.
Assim, essas duas coisas quando impedidas ou ignoradas, cai-se num mundo puramente ilusório, sofistico, onde o desejo de convencer é maior (malicioso, portanto) do que o desejo de saber a verdade e de informar a realidade.
Como dissemos no artigo anterior, a tendência atual dos jornalistas, repórteres, jornais, telejornais, etc., é meramente convencer sobre um argumento, e não apresentar a realidade ou investigar a realidade para chegar-se a uma conclusão.
Será que a ciência, atualmente um verdadeiro ‘piercing’ inamovível na língua de certos governantes, também não permite mais investigar a realidade ou questionar-se certas declarações, ou essa ciência está apenas na cabeça de quem usa a palavra ("ciência")?
A produção de aparências, com segundas intenções, como meio de ganhar dinheiro ou adquirir poder, realmente, pode ser a verdade que Platão já revelava há algum tempinho e que hoje, sinceramente, não vejo motivo para duvidar dele, aliás, pelo contrário.
Fico por aqui.
*Elvis Rossi da Silva é advogado e escritor.
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