LEI QUE PUNE QUEM NÃO SE VACINAR OU RESTRINJA SEUS DIREITOS É CONSTITUCIONAL?
Pediram-me um parecer jurídico. É o que segue.
QUESTÃO/DÚVIDA JURÍDICA.
Segregar a sociedade em vacinados e não vacinados e impedir a possibilidade de ter uma vida normal, ou permitir uma vida normal a apenas vacinados é um ato Estatal juridicamente válido, legal ou constitucional?
RESPOSTA.
1. O Estado pode, ante uma necessidade clara, usar o discrímem para criar ou eliminar obrigações , contudo, ele deverá observar o CONTEÚDO JURÍDICO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. O alcance deste princípio limita o poder do Estado quanto à edição de normas, que deve sempre observar a isonomia. Isso vincula tanto o legislador (inclusive o executivo quando legisla excepcionalmente) quanto o aplicador da lei (executivo e judiciário).
2. Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra sobre tal princípio (obra de base para o estudo da questão no Brasil em todas as faculdades de direito e citado enormemente pelo judiciário: O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade), propõe o seguinte exemplo para elucidar o tema, questionando se a lei poderia estabelecer que apenas cidadãos com determinada estatura poderiam comprar determinado produto, ele responde que não, pois o princípio não permitiria
3. Façamos, como no exemplo, a pergunta atual: a lei pode estabelecer que apenas cidadãos vacinados possam ser contratados, ou exercer certas profissões, ou sair de casa, ou usar bens e serviços públicos, ir ou vir? A resposta é não. Justamente em nome do princípio da isonomia.
4. A discriminação permitida pelo princípio seria apenas aquela que cumprisse cinco elementos/requisitos essenciais. A não verificação (de um apenas) destes elementos (ou aspectos) quebrará da isonomia. São eles:
I. qual seria o critério discriminatório utilizado,II. se haveria justificativa racional para a sua escolha,III. se o fundamento escolhido estaria de acordo com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional,IV. impossibilidade de a lei estabelecer critério diferencial de traço individualizante e perpetuante de um determinado sujeito, eV. a necessidade de o traço diferencial adotado residir na pessoa, situação e coisa, para assim evitar qualquer abordagem extra pessoais.
5. Cumpre ressaltar que todos os critérios devem ser observados (estar presentes), ao mesmo tempo, faltando um, haverá a quebra da isonomia e a lei será inconstitucional.
6. Vejamos se a norma cumpre os cinco requisitos.
I. qual seria o critério discriminatório utilizado?
7. O critério da norma é: “não vacinado”. Tal critério é externo, e não inerente à pessoa, ou seja, o critério exige um atuar externo da pessoa, a saber, deixar-se inocular por fármaco que alterará de alguma forma seu sistema imunológico natural. O elemento tomado como fator de desigualação não está na pessoa, assim a exigência não procede (bem como se verá quanto a finalidade também não procede).
II. haveria justificativa racional para a sua escolha?
8. Quer dizer, há razoabilidade material da escolha? Estabelecer onde está a razoabilidade da discriminação para segregar a sociedade em vacinados e não vacinados e impedir o exercício pleno de direitos na sociedade, não é razoável. Nem sequer é proporcional. Tal princípio (proporcionalidade) tem como escopo a adequação entre o fim da norma e os meios que esta designa para atingi-lo. Integram este princípio três subprincípios: A) adequação, B) necessidade e C) proporcionalidade. Vejamo-los.
A) Necessidade. Em momento algum se vislumbra a necessidade de se segregar a sociedade e impedir o livre exercício dos direitos individuais e públicos do cidadão, uma vez que, dados disponibilizados pelos setores de saúde indicam o nível de letalidade da doença, bem como os dados sobre quantidade de recuperados, sendo estes muito superior a aquele, mesmo antes das vacinas em teste.B) Adequação. Não é adequado porque a regra traçada não é apta para atingir os objetivos que busca. Não se pode dizer que uma vacina é 100% eficaz, dado científico de domínio público. Ademais, não existe vacina 100% segura, como não há fármacos 100% seguros (dados científicos reconhecidos pelos médicos, dado científico de domínio público). E mais. Se os vacinados estão protegidos, não há motivos para exigir vacinação de quem não deseja, da mesma forma se a vacinação não produz resultados, também não há de se exigi-la de quem não a deseja. Se tomarmos por premissa que o objetivo é proteger a sociedade, a questão da mutabilidade dos virus e segurança do fármaco deve ser tomada em consideração, e uma vacina para determinada cepa viral terá de ter sua eficácia comprovada sobre uma nova e diversa, se agir, não há se exigir vacinação dos não vacinados porque os vacinados não correm risco, se não tiver efeito, também não se deve exigir a vacinação de ninguém pois é ineficaz ou tem eficácia limitada (além do risco) quanto a cepas novas. Assim, tal regra não é adequada.C) Por fim, a proporcionalidade. Da mesma forma não se pode dizer que uma vacina é 100% eficaz, dado científico de domínio público. Ademais, não existe vacina 100% segura, como não há fármacos 100% seguros, dado científico de domínio público. Tal princípio deve, juntamente por ser uma regra que interfere em direitos (por ser regra restritiva), ponderar entre o meio (a regra restritiva) e o fim que ela deseja alcançar. Evidentemente que há total descompasso entre a os direitos em equação. A proporcionalidade exige que se faça uma ponderação entre o desequilíbrio que a regra causará. Nossa ordem constitucional busca equilibrar valores e, em questão, os valores em contraposição são equivalentes; não se trata somente a liberdade de profissão, ou religiosa, ou econômica, mas a impossibilitação do fundamento de direitos inalienáveis do ser humano; o fim de liberdades, por exemplo, de assegurar-se o ir e vir, ou o exercício profissional ou o desenvolvimento de atividade econômica, existem para garantir uma maior, que é a subsistência humana, ou seja, o próprio direito à vida. A demais, não sendo 100% segura, qualquer remédio, terapia ou intervenção médica não deve ser imposta (forçada), ainda que por vias indiretas, quanto mais em fase de testes. Destarte, quanto a proporcionalidade, ponderando-se o ato legislativo restritivo e sua finalidade, conclui-se que o interesse que se busca tutelar, a vida e a saúde, no caso, não é atendido, ao contrário, é colocado em risco irreparável.
III. o fundamento escolhido estaria de acordo com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional?
9. Como se viu no item precedente, justamente por ser uma regra que interfere em direitos (ser regra restritiva), ponderar entre o meio (a regra restritiva) e o fim que ela deseja alcançar é necessário. Evidentemente que há total descompasso no tratamento dado aos direitos em equação. Os valores prestigiados na ordem constitucional estão sendo violados. O desequilíbrio que a regra causará é evidente. Nossa ordem constitucional busca equilibrar valores e, em questão, os valores em contraposição são equivalentes; não somente a liberdade de profissão, ou religiosa etc., mas a eliminação da própria vida do indivíduo de forma indireta. Vejamos. Assegurar-se o ir e vir, o exercício profissional, o desenvolvimento de atividade econômica (qualquer que seja ela) é essencial para a subsistência humana; limitá-las na forma da norma é impedir os meios materiais para alcançar o direito à vida (condição material da garantia do direito à vida e à saúde), posto ser condição sem a qual (conditio sine qua non) não haverá vida, nem saúde caso se impeça o trabalho, o exercício de atividade econômica etc. O direito social fundamental à saúde, princípio esculpido na Constituição Federal, não existe sem a liberdade de profissão, sema aliberdade de exercício de atividade econômica, de propriedade, de ir e vir e de acesso a bens e serviços públicos.
10. Assim, uma lei desse tipo em comentário não cumpre três dos cinco critérios estabelecidos pelo princípio da isonomia, sendo prescindível prosseguir na análise dos demais. De modo que não pode ser considerada constitucional, e qualquer órgão do Estado que queira implantá-la cairá em flagrante abuso de autoridade e violações a direitos humanos fundamentais.
11. Agir contra tais direitos fundamentais, por fim, ainda que por uma lei formal, será, além de abuso de autoridade (Art. 9º da Lei 13.869), crime de constrangimento ilegal contra a pessoa (Art. 149, do Código penal), e se há ameaça de mal injusto (multa ou prisão, segregação social, perda de emprego, não acesso a serviços e locais públicos etc.), e crime de ameaça (que pode ser qualificado se há uso de arma de fogo). Para o Governador ou prefeito, o ato ainda será crime político, crime de responsabilidade (que são crimes previstos na Constituição Federal de 1988 e na Constituição do Estado de São Paulo), condutas que contrariam o livre exercício dos Poderes do Estado e o exercício dos direitos políticos e individuais do cidadão. Sem falar na violação de tratados internacionais como o Código de Nuremberg e até mesmo se poderia cogitar na possibilidade de estar-se cometendo crime de Genocídio conforme a definição estabelecida na legislação.
CONCLUSÃO.
12. Deste modo, qualquer legislação ou ato Estatal que vise segregar a sociedade em vacinados e não vacinados e impedir a possibilidade de o cidadão não vacinado ter uma vida normal, ou que permita uma vida normal a apenas vacinados, quer dizer, que impeça o livre exercício da atividade econômica, ou o direito de ir e vir, ou acesso a empregos e/ou cargos públicos, ou o uso de áreas públicas, ou o acesso a órgãos e/ou serviços públicos, não obedece aos critérios estabelecidos pelo princípio da isonomia, de modo que não pode ser considerada constitucional, e qualquer órgão do Estado ou agente público ou agente político que queira implantá-la, incorrerá, minimamente, em flagrante abuso de autoridade e violação a direitos humanos fundamentais, bem como outras ilegalidades e crimes apontados.
13. Essa é nossa posição, que a cautela, o bom senso e a boa técnica jurídica reclamam.
14. É o que tínhamos a dizer.
*Elvis Rossi da Silva é advogado e escritor.
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