CARLO COLLODI, UM PROFETA DO SÉCULO XIX?
OU: A PROFECIA DE PINÓQUIO
Carlo Collodi, poderíamos dizer, parece-me, hoje, um profeta do século XIX quando escrevia a clássica história de Pinóquio.
Você pode até dizer que a literatura nos revela os dramas da humanidade apontando com maior evidência aspectos mais importantes de coisas que sempre existiram ou podem ocorrer. Não nego. Porém, ao ler uma parte específica da referida história, ao menos para nós brasileiros (vamos delimitar a coisa por aqui), vemos algo que, se naquela época já se vislumbrava, mas como algo anômalo, agora, ela nos parece ser o âmago, o cerne, a razão de ser da coisa, seu desvirtuamento, sua degeneração, sua inversão, seu espectro negativo, o que, tomando por base o que deveria ser, nos parece uma das piores coisas a acontecer na humanidade.
O Poder Judiciário de um Estado é, resumindo, a última barreira contra o abuso do poder constituído.
Quando este Poder do Estado, ele mesmo, se torna um poder abusivo (leia-se, aqueles que o exercem), é o fim de uma democracia. Restaria ao cidadão tão somente a imprensa para gritar a verdade dos telhados (faça uma busca aqui no site por "Alexis de Tocqueville" para ver mais sobre o tema).
Contudo, agora temos dois problemas, pois, se prestarmos atenção hoje, tanto um, quanto o outro (judiciário e imprensa), já não expressam aquilo que deveriam ser.
Mas sobre o judiciário, o problema se agrava; sendo ele manifestação do poder do Estado, tem alguns poréns. Os juízes, ao menos aqui no Brasil, não são eleitos, são inamovíveis, e, ao que tudo indica, irresponsabilizáveis por suas ações (particulares e públicas) e, o pior, vitalícios (estarão ali até se aposentarem compulsoriamente), sendo a ferramente, instrumento ou, se preferir, uma arma (já que a caneta é mais forte que a espada) perfeita para a ação revolucionária.
Enfim.
Como eu dizia sobre Collodi e Pinóquio, há na dita história uma passagem que representa a pura inversão de valores usada para simplesmente colocar uma nação sob a vontade de indivíduos que, não sendo representantes eleitos do povo, ainda assim, acabam mandando e ditando as ações políticas mais importantes para a nação (ou um grupeto seleto) e, esta, se sentir que está sendo destruída, que se mude se quiser (afinal, o choro, como já disseram, é livre). Tal ferramente é chamada de ativismo judicial.
Assim, fico por aqui e deixo o trecho da história e Pinóquio para você ver se há algo parecido hoje. Aproveito, antes, para fazer uma propagando de dois livros lançados sobre o tema (aqui e aqui).
"...Tomado então de desespero, voltou correndo à cidade e foi direto ao tribunal denunciar ao Juiz os dois malandrins que o haviam roubado. O Juiz era um enorme macaco da raça dos gorilas, um velho símio respeitável pela avançada idade, pela barba branca e principalmente pelos óculos de aros de ouro sem lentes, que era forçado a usar continuamente por causa de um constante lacrimejar que o atormentava há muitos anos.
Pinóquio, na presença do Juiz, contou tim-tim por tim-tim a iníqua fraude de que havia sido vítima; deu nome, sobrenome e características dos meliantes, acabando por pedir justiça.
O Juiz ouviu-o com muita benevolência, interessou-se vivamente pelo relato, enterneceu-se, comoveu-se e, quando o boneco não tinha nada mais a dizer, estendeu a mão e tocou a campainha.
Àquele toque compareceram logo dois cães mastins vestidos de guardas.
Então o Juiz, apontando para Pinóquio, disse aos guardas:
— Este pobre-diabo foi roubado em quatro moedas de ouro: peguem-no e o metam logo na prisão.
O boneco, sentindo cair-lhe de improviso esta sentença, ficou espantado e quis protestar: mas os guardas, para evitar perda de tempo, taparam sua boca e o levaram para a cadeia.
E lá ficou ele por quatro meses, quatro longuíssimos meses; e lá teria ficado ainda mais, se não tivesse ocorrido um fato auspicioso. Pois é preciso saber que o jovem Imperador que reinava naquela cidade de Enganatrouxas, tendo obtido uma grande vitória sobre os seus inimigos, mandou celebrar grandes festas públicas, com luminárias, fogos de artifício, corridas de cavalos e de velocípedes e, em sinal de maior euforia, mandou abrir os cárceres e libertar todos os meliantes.
— Se os outros estão saindo da prisão, eu quero sair também — disse Pinóquio ao carcereiro.
— Você, não — respondeu o carcereiro —, porque você não é como eles.
— Peço perdão — replicou Pinóquio —, mas eu também sou meliante.
— Neste caso está com toda a razão — disse o carcereiro, e, tirando respeitosamente o boné e cumprimentando-o, abriu-lhe as portas da prisão e o deixou fugir."
Elvis Rossi da Silva é advogado e escritor.
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