A Fome Oculta de Princípios e a Inanição da Alma
Pensando cá com meus botões, coisa frequente, buscava uma explicação sobre algumas coisas que ocorrem hoje no mundo, como, por exemplo, por que é que alguns valores humanos deixaram, sem previsão de regresso, o nosso dia a dia, por que é que se tornou tão fácil deixar de lado ou violar coisas como a privacidade, liberdade, auto-determinação, justamente num mundo onde a palavra do dia é direito, direito humano, direitos fundamentais, diretos, direitos e mais direitos. Haveríamos de estar caminhando para uma era de ouro, não acha?
Quando você vê a incapacidade de algumas pessoas (que têm alguma influência nos rumos da sociedade) de ver o que está acontecendo e onde isso irá levar (juntar causa e consequência), não há como deixar de perguntar como isso foi acontecer.
Não pode ser simples e unicamente uma questão de baixo QI. Entre algumas coisas que posso imaginar estaria a ausência de valores superiores, vetores maiores e imutáveis que sirvam como guia nas questões mais profundas da humanidade. Mas o que fez esses valores se dissiparem ou até serem extintos?
Quando você vê o estabelecimento de certos meios (ações, políticas, ferramentas tecnológicas etc.) que, no final, levarão a uma diminuição ainda maior da liberdade humana e da própria humanidade, como, por exemplo, o reconhecimento facial, quando esses mecanismos são implantados sem um real debate público (só para constar, há tribunais em nosso país que já usam o sistema e você nem foi perguntado se aceitaria isso ou não...), ou vai-se introduzindo por vias oblíquas, por exemplo, o sistema de crédito social (do tipo chinês) sem questionar a sociedade, sem um debate amplo e público, coisas que mudarão os rumos da sociedade como um todo, aquelas perguntas começam a fazer sentido (e sim, a recente alteração do Código de Trânsito Brasileiro - acredita? Código de Trânsito! - traz uma semente desse sistema de crédito social, por exemplo).
E como é que esses valores deixaram de ser importantes para as pessoas?
Para mim (vamos nos limitar a esses) o pragmatismo, o utilitarismo e o relativismo têm sido algumas das moscas no angu da humanidade.
Quando você olha para o trabalho de um magistrado, onde deveria haver uma profunda reflexão sobre o problema que lhe foi apresentado, e você vê o famoso copia e cola, por trás estão justamente eles; o utilitarismo, de modo que o bem será o que é imediatamente útil, o mecanicismo que ele cria é consequência imediata, pois prescinde de reflexões profundas sobre a vida, sobre a humanidade, sobre os deveres humanos (um mundo onde se quer criar direito para tudo, inclusive de ser feliz, só pode resultar nisso); o pragmatismo que, na esteira daquele, também remove, no fim, qualquer pensamento que ultrapasse a utilidade imediata das ações, qualquer pensamento que vá além daquilo que pode ser experimentado imediatamente; e, por fim, o relativismo que, se pensarmos bem, é o pai daqueles outros e o pior de todos (se é que se pode eleger algum como pior), pois não haverá, jamais, uma verdade, jamais algo absoluto, nunca se poderá dizer que haja realmente um bem ou mal de fato. É claro que o relativismo está mais para um conceito elegante de maluquice do que uma filosofia, pois, se o relativismo relativiza tudo, e se não há verdade, o próprio relativismo é relativo e, assim, ele mesmo não tem valor nenhum. Afirmar que tudo é relativo é o mesmo que negar o que se afirma.
Entrando, assim, esses pensamentos no mundo, eles tomaram a rédea das coisas e simplesmente baniram a reflexão profunda sobre as questões da vida, baniram da mente da humanidade a realidade e criaram um mundo artificial onde, realmente, se tem cada vez mais direitos a aponto de nenhum deles ser realizável na prática e, por isso mesmo, devem ser relativizados ao máximo já que um mundo sem deveres humanos naturais, sem valores superiores e sem vínculo com a realidade não é, de fato, possível.
Assim, isso tudo leva, por exemplo, ao surgimento de bizarrices como escritores que não escrevem suas obras (e surgem os Ghosts Whriters - escritores fantasmas), mas são mesmo assim aclamados, juízes que não julgam, mas copiam e colam sentenças independentemente das consequências a médio e longo prazos ou apenas para adequar a coisa à sua ideologia (coisa que em breve será feia por computadores, e de fato já está sendo), e legisladores que não conhecem a humanidade, mas fazem leis que regem a sociedade ao seu vil prazer. E a coisa vai se banalizando a ponto de os princípios simplesmente desaparecerem.
Deste modo, penso eu cá com meus botõezinhos, a vida vai transformando-se num grande teatro já falido por natureza, e o mundo fictício criado (casa na areia) jamais conseguirá satisfazer a essência humana. Talvez seja por isso que, a cada dia, está-se pedindo mais, mais direitos, mais auxílios, mais analgesia, mais prazer, mais satisfação, mais paz, e o Estado (e os grupos que regem a sociedade) avoca, a cada dia, mais poder para "dar" tudo isso às pessoas que governa. Porém, ambos, jamais alcançarão satisfação.
Daí que o título talvez esteja mesmo correto: A fome oculta de princípios e a inanição da alma, ou quem sabe talvez pudesse ser : quanto mais nos afastamos deles, mais nos afastamos do que seja vida.
Fico por aqui.
Elvis Rossi da Silva é advogado e escritor.
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