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SARA WINTER, A CANCELADA DA DIREITA BRASILEIRA.

 



Como já escrevi algo a respeito anteriormente, não poderia deixar de postar a matéria aqui.



SARA WINTER, A CANCELADA DA DIREITA BRASILEIRA.

Sara Winter, a cancelada da direita brasileira
Fonte: Letícia Alves em 4 de Outubro de 2020



De tornozeleira eletrônica há mais de 100 dias, a ativista conta como tem passado os dias na prisão domiciliar à qual foi sentenciada mesmo sem crime, julgamento ou condenação



Sara Winter, a militante tachada pela grande mídia de “extremista”, recebeu esta jornalista em seu pequeno apartamento sem janelas para contar como tem sido a rotina desde que foi presa pelo ministro do STF, Alexandre de Moraes, sem crime, julgamento ou condenação. Para aplacar o calor da Capital do Brasil, colocou um ventilador sobre um banquinho na sala e, entre uma resposta e outra, maquiava-se para estar pronta para outras duas entrevistas em vídeo que faria a seguir. 

Na semana passada, completaram-se 100 dias desde que Sara carrega uma tornozeleira eletrônica. Na prática, ela vive em prisão domiciliar — termo jamais mencionado em nenhuma decisão de Moraes já que só pode ser aplicado a pessoas julgadas e condenadas em última instância. Esse não é o caso da Sara, mas “quem se importa?”, ela reflete:

— Eu sou a cancelada da direita brasileira. 

Em tom bem humorado, a ativista, que também é conferencista internacional, enumerou os grupos pelos quais se sente abandonada ou, na linguagem da internet, “cancelada”. 

Pela direita: “A direita brasileira, ou a falta da direita brasileira, a falta de autogestão e de auto organização da direita brasileira, faz com que nós, presos políticos, nos sintamos institucionalmente e até socialmente abandonados. Porque não há uma tradição de militância, e muitas vezes a direita brasileira entende a militância como sinônimo de arruaça, de maneira muito errônea”. 

Pelas feministas: “As pessoas têm que entender que se não é para fazer com a amiga feminista, também não é para fazer com a apoiadora do Bolsonaro. Ou o feminismo é só para quem é de esquerda? Na verdade, é isso mesmo”. 

Pelo governo: “Eu me sinto abandonada institucionalmente. Ministério da Justiça, nada. Ministério dos Direitos Humanos, nada. O próprio presidente da República, nada, não fez sequer uma ligação”. 

E complementa: “Eu fico triste com a omissão do governo? Fico. Porque eu acho que se isso tivesse acontecido nos EUA, o presidente Donald Trump teria nos dado medalhas. Mas não são medalhas que a gente quer. Nenhum de nós que estamos presos buscou reconhecimento. Eu sempre falo que se eu quisesse reconhecimento, eu teria continuado feminista. Aí eu estaria ganhando dinheiro, indo em todos os programas de TV. Meu sonho era fornecer à direita a possibilidade de autogestão de sua própria militância, mas sem vida intelectual isso está muito distante de acontecer”.

Sara avalia que as pessoas sequer sabem sob quais acusações ela está presa. “Tem gente que caiu no conto da mídia de que eu joguei fogos no STF. Eu nunca joguei fogos no STF. Foi outro grupo, outro acampamento, outras pessoas que nem presas estão. Tem gente que acha que eu estou presa porque fiz um protesto em que eu acendi tochas, sendo que nós tínhamos autorização da PM (Polícia Militar) e do Corpo de Bombeiros. Tem gente da direita que diz: ‘Ela tá presa porque mereceu’. Eu mereci por quê? O que eu fiz? Quais crimes eu cometi?”. 

A lei para apoiadores do presidente

Para além da prisão evidentemente política pela qual é oprimida, Sara comenta sobre as estranhezas do seu caso. Uma delas é o prazo “indeterminado” para o uso da tornozeleira. Por lei, o apetrecho é usado por criminosos em regressão de pena e tem prazo máximo de 90 dias, podendo ser renovados por mais 90. 

Na “Lei Sara Winter”, como ela intitulou, não há validade para essa situação. “Quando se completaram os 90 dias, nós (ela e advogados) fomos para a central de monitoramento para perguntar o que seria feito. E eles nos disseram que esse era um caso atípico e que eu ficaria com a tornozeleira por tempo indeterminado. É um Frankenstein jurídico. Nós não fomos sequer sentenciados”, conta.


A decisão de Moraes também inclui uma lista de mais de 50 pessoas — entre elas, deputados, jornalistas e militantes políticos — com quem Sara não pode conversar. “Você está presa, não cometeu nenhum crime, e eu não quero que você fale com seus amiguinhos de direita para não planejar a minha derrubada”, resume. 


Ela perdeu o acesso às principais redes sociais e ao seu canal do YouTube, que lhe dava parte do sustento. Sara já tinha agenda cheia de palestras em vários países no final do ano, mas não sabe se já estará livre até lá. “É uma guerra econômica, ideológica, política. Eles estão tentando tirar a minha sanidade, a minha saúde física e o meu sustento, para que eu me cale. Às vezes eu penso que o maior desejo do Alexandre de Moraes é de que a Sara Winter cometa suicídio. Mas isso não vai rolar, graças a Deus eu sou muito resiliente”.

Para preencher seu tempo, Sara recebe a visita de amigos em casa, dá entrevistas, utiliza a única rede social à qual tem acesso — o Instagram — para divulgar sua livraria e linha de camisas e tem estudado bastante. Sua maior lamentação é não poder ir à Missa. “Eu fui receber a confissão e a comunhão pela primeira vez na semana passada, porque os trabalhos das pastorais que vão às casas estão parados por conta da pandemia”, conta. 

Sara não conseguiu sequer a permissão de casar na Igreja com o marido, Giovani Furtado. A eles foi concedido apenas o direito de ir a um cartório oficializar a união civil. “É como se casar na Igreja fosse um mimo. Eu tive minha maternidade roubada, eu tive meus direitos religiosos roubados, eu tive tudo roubado”, afirma.


Ela passa os dias ao lado de Giovani, enquanto seu filho está com seus pais. “O que me deixa mais triste é ter de deixar meu filho com a minha mãe. Mas como eu vou levar meu filho à escola, agora que as aulas estão voltando? Como vou levá-lo ao parquinho aqui do outro lado da rua? Não posso. O que vou fazer com meu filho?”, lamenta. 

A ativista conta que evita ao máximo “politizar” seu filho e que ele não sabe que ela está presa. “Eu disse para ele que a mamãe sumiu porque pegou coronavírus e teve que ficar internada, que meu celular quebrou e por isso não liguei para ele. E agora a polícia colocou isso no pé da mamãe porque eu peguei coronavírus e não posso sair de casa. Ele entendeu e se contentou com isso, mas às vezes mexe, põe a mão, diz que que quer tirar, fala: ‘Mamãe, já acabou o coronavírus’. É muito difícil, porque ele é muito pequenininho”. 

O apoio da família

Apesar de se sentir abandonada pela direita, Sara agradece pelo apoio do marido, dos pais e, também do professor Olavo de Carvalho. 

“O reconhecimento do professor Olavo a respeito das minhas atitudes e da minha vida é uma das poucas coisas que me fazem sorrir no dia. Eu luto contra a depressão desde os 11 anos de idade, tomo medicamentos, e tem dias que eu fico aqui e penso: ‘A única coisa mesmo é se eu me matar porque não tem mais saída’. É óbvio que eu não vou me matar, é uma figura de linguagem, mas eu penso nisso porque não tem mais o que fazer”, ela relata.

“Ter o reconhecimento do professor Olavo é como ter alguém da família muito próximo cuidando de mim”, resume. Ela conta que os pais, que a apoiam cuidando do seu filho, não entendem bem a situação que ela está vivendo e têm medo de que ela seja presa novamente ou morta. 

Arrependimentos

Após passar meses sendo chamada pela grande mídia de “extremista”, Sara não se ofende, mas ri da alcunha. “Eu sou extremista contra drogado, contra abortista, contra vagabundo. Sou extremista mesmo”. 

Ela conta não se arrepender de nada que fez. Apenas do “amadorismo” de não ter se preparado melhor no campo jurídico e midiático para a batalha que enfrentaria. “O que eu teria melhorado era ter tido uma estrutura jurídica desde o começo. Eu tinha dois advogados, hoje eu tenho muitos. Mas eu não tinha dinheiro e nem todo mundo faz pro bono. De qualquer maneira, foi amadorismo não ter tido essa estrutura preparada”. 

Também afirma que teria tentado se proteger do bombardeio da mídia. “Talvez eu tivesse me organizado junto a portais de notícias da direita para tentar fazer um contraponto. Mas é muito difícil, né, porque a falta de autogestão da direita dificulta até isso. Porque tem esse site que briga com outro, esse grupo que não gosta de outro, como vou me organizar?”. 

Sara reconhece que foi “bode expiatório”. Disse que, depois que seu grupo foi preso, a direita abaixou o tom, por medo sofrer o mesmo. “Era para ter sido o contrário. Como eles iriam prender cinco mil ou até mil pessoas que fossem para a rua? Não há efetivo policial nem espaço para isso”. 


A prisão acabou chegando de forma mais dura do que ela esperava. “Eu sempre soube que seria presa, mas eu não sabia que ia para a cadeia. Eu achava que ia ser presa como eu era esquerdista, em que a polícia me conduzia até a delegacia, como todas as vezes em que eu fiquei pelada na rua, em que invadi propriedade privada quando eu era feminista. O policial me levava para a delegacia, eu assinava um termo circunstanciado e nunca mais respondia. Só que agora eu não sou mais de esquerda. Eu não tenho o respaldo de grandes pessoas.  Agora a coisa mudou: eu sou apoiadora do presidente”.

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