A PERSEGUIÇÃO DE UM JÁ É DEMAIS
Uma ordem só o é devido a uma estrutura, a disposição organizada e ordenada das coisas, há portanto necessidade de que essa estrutura seja montada de certa forma para que funcione.
Mas uma ordem (seja qual for) é construída sobre princípios, bons ou malévolos (muito embora seus resultados sejam diametralmente diferentes e sua duração também).
A exemplo, a ordem democrática; ela é construída sobre princípios de liberdade, de igualdade, de obediência às leis, de soberania do povo. Já uma ordem autoritária tem por princípios a mentira, o poder na mão de um (ou poucos privilegiados), a vontade do ditador sobre as leis (quando estas existem) e sobre o povo e, via de regra, o culto à sua pessoa.
É fácil verificar quando uma ordem é ou não democrática observando se seus princípios são materialmente concretizados, quer dizer, se existem na vida real.
É o que há muito se buscou exemplificar com a figura de linguagem sobre os "frutos da boa ou má árvore" (aliás, isso se tornou um princípio adotado pelo direito - bem ou mal utilizado - que é o fruits of the poisoned tree).
Um bom exemplo atual para vermos se estamos numa democracia ou não é da Sara Winter.
Esta moça, uma militante política de direita (militante é todo aquele que defende uma causa ou a busca ativamente), sofre uma perseguição sem precedentes no nosso país em se tratando de um cidadão comum (não falarei hoje da campanha mundial de difamação contra Olavo de Carvalho que seria o caso mais - talvez singular - emblemático de assassinato de reputação. Também não falarei do homicida que atentou contra vida do presidente atual e tem tratamento 5 estrelas bem como inúmeros advogados particulares que ninguém sabe quem paga seus honorários) .
Esta moça teve não apenas a prisão preventiva decretada por um suposto crime como usa uma tornozeleira, sem ao menos ter sido condenada formalmente pelo crime; aliás, verificando as acusações, é difícil encontrar indícios de ter cometido tal delito (supostamente atuou contra a segurança nacional - se é que gritar ou dormir em praça pública possa ser assim considerado). Não bastasse é igualmente alvo de um inquérito que não encontra precedentes nem bases legais na legislação pátria (inquérito que atinge vários jornalistas). Teve ela, sumariamente, suas mídias sociais excluídas, apreensão de valores e bens, está sendo impedida de exercer sua atividade profissional, o que impede o sustento (sem condenação!). Uma história, não fosse verdadeira, seria uma sobreposição das do Barão de Münchhausen e de Kafka. Mas o que tem a ver? Falo já.
Vemos nos últimos tempos criminosos perigosos - condenados formalmente - sendo libertados, a polícia impedida de atuar, o crime organizado aterrorizando a população do Rio de Janeiro; investigações sobre políticos serem impedidas; cidadãos constrangidos, agredidos, algemados e presos sem cometer crime, idosos sendo presos, residências invadidas sem mandado judicial, prefeitos e governadores destruindo liberdades civis historicamente conquistadas na base da canetada, e tudo isso, enfim, carimbado pela mais alta corte do país.
De outro lado, vemos uma cidadã que, discordando da política e ideologia de esquerda, discordando da opinião dos membros da "Corte Suprema" e do Congresso, por dormir numa praça em brasília, por gritar palavras de ordem em público, ter a vida destruída, literalmente.
Crimes terríveis, ao que parece, superando os crimes do PCC, do Comando Vermelho e até do ex presidente Lula. Sim, o Lula a quem o Ministro do STF, E. Fachin, lamentou dizendo que sua candidatura para presidente "teria feito bem à democracia".
Crimes como os dessa moça só podem existir, inquestionavelmente, numa ordem cujos princípios sejam capazes de criá-los, acolhê-los como tal: uma ditadura. Isso porque nas ditaduras 'a opinião discordante do cidadão é um crime capital'.
Não vou ficar tecendo considerações jurídicas sobre o malfadado inquérito do fim do mundo, não. Só quero chamar a atenção para um detalhe. Quando um cidadão, que tem a opinião política/ideológica diversa da dos membros da mais alta corte do país (estou falando de opinião e não crimes verdadeiros e legitimamente reconhecidos pela sociedade), ou de qualquer político que seja, passa a ser tratado como o pior criminoso das galáxias, o modelo de ordem que nos encontramos é clara, e não é democrática.
Lembro outra vez o tão atual Tocqueville, que nos oferece lição histórica sobre a liberdade. Fala ele da liberdade de imprensa, porém, é necessária antes desta a liberdade de pensamento, seu antecedente lógico.
"Se alguém me mostrasse, entre a independência completa e a submissão inteira do pensamento, uma posição intermediária em que eu pudesse esperar manterme, talvez me estabelecesse nela. Mas quem descobrirá essa posição intermediária? Você parte da liberdade de imprensa e caminha na ordem; que faz? Primeiro submete os escritores aos jurados; mas os jurados absolvem e o que não passava da opinião de um homem isolado se torna a opinião do país. Você, então, fez demais e muito pouco; é preciso caminhar ainda. Entrega os autores a magistrados competentes; mas os juízes são obrigados a ouvir antes de condenar; o que o autor teme confessar no livro proclama em sua defesa - o que teria sido dito obscuramente numa narrativa vê-se repetido assim em mil outras.A expressão é a forma exterior e, se assim posso me exprimir, o corpo do pensamento, mas não é o próprio pensamento. Seus tribunais prendem o corpo, mas a alma lhe escapa e escorrega sutilmente entre suas mãos. Portanto você fez demais e muito pouco; é preciso continuar a caminhar. Você abandona enfim os escritores à censura. Muito bem! Estamos chegando. Mas a tribuna política não é livre? Portanto você ainda não fez nada - engano-me, você aumentou o mal. Por acaso você considera o pensamento uma dessas forças materiais que aumentam graças ao número de seus agentes? Você conta os escritores como soldados de um exército? Ao revés de todas as forças materiais, o poder do pensamento aumenta muitas vezes por meio do pequeno número dos que o exprimem. A palavra de um homem poderoso, que penetra sozinha no meio das paixões de uma assembleia muda, tem mais poder do que os gritos confusos de mil oradores; é por pouco que se possa falar livremente num só lugar público, é como se se falasse publicamente em cada aldeia. Você precisa, destruir a liberdade de falar, assim como a de escrever. Desta vez, você chegou ao fim da viagem; todos se calam. Mas onde foi dar? Você tinha partido dos abusos da liberdade e encontro-o sob os pés de um déspota.Você foi da extrema independência à extrema servidão, sem encontrar, em tão longo espaço, um só lugar em que pudesse deter-se.Há povos que, independentemente das razões gerais que acabo de enunciar, têm razões particulares que devem prendê-los à liberdade de imprensa.Em certas nações que se pretendem livres, cada um dos agentes do poder tem a faculdade de violar impunemente a lei sem que a constituição do país de aos oprimidos o direito de se queixar diante da justiça. Nesses povos, não se deve mais considerar a independência da imprensa como uma das garantias, mas como a única garantia que resta da liberdade e da segurança dos cidadãos."
No fim a perseguição de um cidadão é, na verdade, a de todos, pois no futuro, bastará trocar o CPF do discordante para criminalizá-lo por qualquer opinião que emita.
Essa é a realidade da servidão de uma nação sem liberdade de expressão.
Elvis Rossi
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