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ALEXIS DE TOCQUEVILLE E A DEMOCRACIA

ALEXIS DE TOCQUEVILLE E A DEMOCRACIA


Relendo alguns Federalistas, me deparei novamente com Alexis de Tocqueville (A democracia na América), pensamento renomado e fundamental, acompanhando Thomas Jefferson, Hamilton, Paine, ao menos para quem dá valor à Democracia.

Interessa hoje de perto quando ele fala sobre o Poder Judiciário (coincidência pura). 

Nada melhor, porém, do que acolher aqui suas próprias palavras - tão claras quanto a luz do dia pode ser para os olhos acostumados com as trevas - para que não me imputem tendenciosidades.

 Vamos lá (os grifos são nossos para dar uma mão).

Ah! e, antes que eu me esqueça, também vale para aqueles que gostam de direito, questão afeta à mutação Constitucional" nos termos aplicados pelo... S.T.F...

"(...)

A primeira característica do poder judiciário em todos os povos é servir de árbitro. Para que ocorra a ação dos tribunais é necessário haver contestação. Para que haja juiz é necessário haver processo. Enquanto uma lei não der lugar à contestação, o poder judiciário não tem como ocupar-se dela. Ele existe, mas não a vê. 

Quando um juiz, a propósito de um processo, ataca uma lei relativa a esse processo, ele amplia o círculo de suas atribuições, mas não sai dele, pois de certa forma precisou julgar a lei para chegar a julgar o processo. Quando se pronuncia sobre uma lei, sem partir de um processo, sai completamente de sua esfera e penetra na do poder legislativo.

A segunda característica do poder judiciário é pronunciar-se sobre casos particulares, não sobre princípios gerais. Se um juiz, resolvendo uma questão particular, destrói um princípio geral, devido à certeza que temos de que, por ser cada uma das consequências desse princípio igualmente atingida, esse princípio se tornará estéril, ele permanece no círculo natural de sua ação; mas se o juiz atacar diretamente o princípio geral e o destruir sem ter em vista um caso particular, sai do círculo em que todos os povos concordaram em encerrá-lo, torna-se algo mais importante, mais útil talvez que um magistrado, porém cessa de representar o poder judiciário. 

A terceira característica do poder judiciário é só agir quando chamado, ou, conforme a expressão legal, quando provocado. Essa característica não é encontrada de maneira tão geral quanto às outras duas. 

(...)

Por sua natureza, o poder judiciário não tem ação; é preciso pô-lo em movimento para que ele se mexa. Se lhe denunciamos um crime, ele pune o culpado; se o convocamos a corrigir uma injustiça, ele a corrige; se lhe submetemos um ato, ele o interpreta; mas não vai por conta própria perseguir os criminosos, procurar a injustiça e examinar os fatos. O poder judiciário violentaria, de certa forma, essa natureza passiva, se ele mesmo tomasse a iniciativa e se erigisse em censor das leis. 

(...)

O juiz americano não pode se pronunciar, a não ser quando há litígio. Ele trata exclusivamente de um caso particular e, para agir, deve sempre esperar que o tenham solicitado. 

(...)

Ele se move no mesmo círculo e serve-se dos mesmos meios que os outros juízes; por que possui um poder que estes últimos não têm? A causa está neste simples fato: os americanos reconheceram aos juízes o direito de fundar suas decisões na constituição, em vez de nas leis. Em outras palavras, permitiram-lhes não aplicar as leis que lhes parecerem inconstitucionais. 

(...)

Na França, a constituição é uma obra imutável, ou tida como tal. Nenhum poder poderia mudar o que quer que seja nela. Esta é a teoria herdada. Na Inglaterra, reconhece-se ao parlamento o direito de modificar a constituição. Na Inglaterra, portanto, a constituição pode mudar sem cessar, ou, antes, ela não existe. O parlamento, ao mesmo tempo que é corpo legislativo, é corpo constituinte. Na América, as teorias políticas são mais simples e mais racionais. Uma constituição americana não é considerada imutável, como na França; ela não poderia ser modificada pelos poderes ordinários da sociedade, como na Inglaterra. Constitui uma obra a parte que, representando a vontade de todo o povo, vincula os legisladores como os simples cidadãos, mas que pode ser mudada pela vontade do povo, segundo formas estabelecidas e nos casos previstos. 

Na América, portanto, a constituição pode variar, mas enquanto existe é a origem de todos os poderes. A força predominante reside apenas nela. 

É fácil ver em que essas diferenças devem influir sobre a posição e sobre os direitos do corpo judiciário nos três países que citei. Se, na França, os tribunais pudessem desobedecer as leis, a pretexto de as considerarem inconstitucionais, o poder constituinte estaria de fato em suas mãos, pois só eles teriam o direito de interpretar uma constituição cujos termos ninguém poderia mudar. Eles se poriam assim no lugar da nação e dominariam a sociedade, pelo menos tanto quanto a fraqueza inerente ao poder judiciário lhes permitisse fazer. 

Sei que, recusando aos juízes o direito de declarar as leis inconstitucionais, damos indiretamente ao corpo legislativo o poder de mudar a constituição, pois ele não encontra barreira legal que o detenha. Mas é melhor ainda conceder o poder de mudar a constituição do povo a homens que representam imperfeitamente as vontades do povo, do que a outros que só representam a si mesmos. Seria muito mais insensato ainda dar aos juízes ingleses o direito de resistir à vontade do corpo legislativo, pois o parlamento, que faz a lei, também faz a constituição; por conseguinte, não se pode, em caso algum, tachar de inconstitucional uma lei que emane dos três poderes. Nenhum desses dois raciocínios é aplicável à América. 

Nos Estados Unidos, a constituição domina tanto os legisladores como os simples cidadãos. Ela é, pois, a primeira das leis e não poderia ser modificada por uma lei. Assim é justo que os tribunais obedeçam à constituição, de preferência a todas as leis. Isso decorre da própria essência do poder judiciário: escolher entre as disposições legais as que o encadeiam mais estreitamente é, de certa forma, o direito natural do magistrado. 

Na França, a constituição é igualmente a primeira das leis, e os juízes tem um direito igual a tomá-la por base de suas decisões; mas, ao exercer esse direito, não poderiam deixar de invadir outro mais sagrado ainda que o deles: o da sociedade, em nome da qual agem. Aqui a razão ordinária deve ceder diante da razão de Estado. 

Na América, onde a nação sempre pode, mudando sua constituição, reduzir os magistrados à obediência, semelhante perigo não é de temer. Sobre esse ponto, a política e a lógica estão de acordo, pois, e o povo assim como o juiz conservam lá igualmente seus privilégios.

(...)

Os americanos confiaram a seus tribunais um imenso poder político, mas, obrigando-os a só criticar as leis por meios judiciários, diminuíram muito os perigos desse poder. 

Se o juiz tivesse podido criticar as leis de maneira teórica e geral; se pudesse tomar a iniciativa e censurar o legislador, teria entrado rumorosamente na cena política; tornando-se expoente ou adversário de um partido, teria chamado todas as paixões que dividem o país a tomar parte na luta. 

Mas, quando o juiz critica uma lei num debate obscuro e sobre uma aplicação particular, oculta em parte à importância do ataque aos olhos do público. Sua decisão tem por objetivo unicamente atingir um interesse individual; a lei só é ferida por acaso. "


Bem, é isso.

Resumindo, o que acontece em nossos dias na cúpula do Judiciário nada mais é que a forma mais distorcida de atuação deste poder numa nação democrática que possui uma constituição.

Não é o que Tocqueville falou?

Fico por aqui.


Elvis Rossi.

 

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