OS PROBLEMAS DA AUDIÊNCIA VIRTUAL DE INSTRUÇÃO TRABALHISTA
ou
Audiência virtual trabalhista, para o réu, a sorte, para o autor, a morte
Muito se tem discutido, ainda mais nos últimos meses, sobre audiências virtuais de instrução na Justiça do trabalho, rendendo não apenas controvérsias, mas a detecção de graves consequências. Contudo, a prática de tais audiências ignora uma questão crucial, a da psicologia dos testemunhos, talvez pela ignorância desta realidade por certos juristas; contudo, é imprescindível observar a questão quanto a própria existência do processo (para não dizer da própria Justiça do trabalho).
Na normalidade do mundo, ainda quando as audiências ocorriam presencialmente, quer dizer, no fórum, perante um magistrado, advogados e servidores públicos, havendo contato pessoal e direto, havia um elemento fático inegável, a disparidade, desigualdade entre as partes, a distância entre a capacidade do empregado e do empregador de produzir provas, fato que a legislação sempre buscou amainar, seja mediante a distribuição do ônus da prova, seja pela percepção do magistrado em contato direto com a testemunha.
Justamente este último aspecto, o contato direto com a testemunha, é o aspecto fundamental da produção da prova no processo trabalhista no Brasil.
Explicamos este aspecto na prática.
Para o empregador, a regra é que a testemunha lhe é um subordinado, está sob dependência econômica sua, lhe é fácil falar, encontrar, determinar que lhe seja testemunha e, convenhamos, conta ainda com um certo (embora não absoluto em todos os casos, mas algum) temor servil, o que inexiste para a testemunha do empregado (autor da ação). Para o empregado (o autor da ação trabalhista), lhe é difícil encontrar um ex-companheiro de trabalho disponível, ou que não tema depor em juízo, ou que não tema ser dispensado por falar a verdade e, quando o encontra, convencê-lo a comparecer num fórum perante um Juiz para testemunhar. Digo convencê-lo porque, para quem conhece o mínimo de psicologia do testemunho (disciplina, aliás, exigida nos concursos para magistratura e que não deveria ser desprezada), àqueles que têm inclinação moral de propósitos nobres, só o fato de comparecer perante um Juízo, lhe causa temor, muito embora ele não pense em faltar com a verdade. Mas, para o imoral ou amoral, nenhuma ameaça de punição faz efeito (ou muito pouco).
Justamente estes fatos geram dois problemas. Vejamos.
Quanto à pessoa moral, o convencê-la a apresentar-se como testemunha é um problema. Pode-se pensar que ela, caso recuse, pode ser intimada e conduzida à força (ou punida), mas isso em nada soluciona a questão e veremos abaixo porquê. Ademais, o sujeito moral, para evitar cometer uma injustiça (seja com o autor da ação, ou com sua consciência, ou ainda, evitar seja punido caso se equivoque numa resposta dada à autoridade – pois a memória pode confundir-lhe e não sair ileso de um erro natural ao ser humano), usar uma saída muito comum, a de responder que nada sabe sobre um fato (embora saiba). Imagine o prejuízo concreto para o empregado/autor da ação! Isso, esse temor, dificilmente ocorre com o imoral ou amoral.
E o segundo problema se refere ao imoral, em não estar perante um juiz. Embora ele não se sinta tão (ou nada) incomodado perante uma autoridade, e nem se importe em falsear a verdade ou ocultá-la, ele pode ser confrontado pelo magistrado (caso este verifique que a testemunha tende a falsear ou se evadir de responder sobre o que lhe é perguntado). Mas algo mais ocorre (e aqui está o mistério), a presença, o contato pessoal do magistrado, não lhe permite apenas observar a pessoa, os seus olhos, o movimento corporal, o tom de voz (que se poderia argumentar ser possível também virtualmente), mas a pessoa diante da autoridade, dentro de uma corte de justiça, confrontada também pelos advogados, pensará ao menos duas vezes antes de continuar ou iniciar uma narrativa falsa. Há, sim, o fator de autopreservação.
Não são raros e nem é preciso citar estudos de psicologia sobre a impessoalização no ambiente virtual (até mesmo a despersonalização), que ajudaria nesta tendência (ao nosso ver amplificada) de a pessoa achar-se ainda mais distante da autoridade, do dever para com a verdade, ante um mero binômio "eu e tela de celular/computador", atuando, assim, sem limites para sua tendência imoral.
Essa é, e para nós não é pouca, a importância não apenas da pessoalidade dos atos, mas, vai além, a importância do contato pessoal na colheita da prova testemunhal, tanto perante a autoridade judiciária quanto do advogado e até outras testemunhas.
Assim, a atual situação cria um grande desnível entre o empregado e o empregador numa questão processual tão importante quanto a própria existência do processo (aliás, indissociável dele), o direito à prova plena e hígida, pois é a ferramenta ótima para a busca da verdade real que tanto se tem buscado realizar e garantir.
É importante frisar, não se trata de dados, de números, de inovação, de tecnologia, de "novos tempos", mas de direitos que afetarão a vida de um ser humano podendo, até, arruiná-la.
Se a questão fosse apenas tecnologia, seria a solução implementar-se mecanismos que detectem a mentira (não entrarei na questão dos direitos humanos e da máxima nemo tenetur se detegere). Também não entraremos aqui em outros problemas (materiais ou formais) que sobrevém neste método que está sendo implantado infralegalmente. Nem vou, ainda, falar que a audiência virtual limita a publicidade do ato judicial e a garantia de que toda pessoa tem o direito de ser ouvida publicamente, conforme artigo 14, inciso 1, do Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos e artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal.
Fica nossa indignação e repúdio quanto ao atual estado de coisas e a discordância vaga da OAB sobre a realização de audiência de instrução por meios virtuais no processo do trabalho, também em face das decisões que juízes trabalhistas vêm tomando ao negarem o pedido dos advogados para suspender ou cancelar tais audiências mesmo diante de tantos problemas e insegurança.
E o onde quero chegar com tudo isso?
Simplesmente que a supressão de direitos fundamentais por vias aparentemente inocentes é um expediente odioso, um método de "derrubar uma parede sem fazer barulho".
A supressão da segurança e certeza no direto amplia ainda mais a injustiça.
Ficamos por aqui.
Elvis Rossi
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